Monday, August 20, 2007

Voltando da aula.

Saí da aula e desci até a avenida leste-oeste onde passei por um travesti que fazia ponto na esquina esperando algum cliente para aquela noite. Andei até o ponto de ônibus e parei enquanto esperava. Um casal que fazia cursinho comigo estavam se beijando por ali. Tive inveja daquilo, pareciam muito felizes.
Tinha que voltar de ônibus porque o carro de minha mãe estava no conserto. Não gostava de andar de ônibus. Não me importava caminhar mas pegar o ônibus era algo realmente estressante, principalmente porque o ônibus que vinha até minha casa demorava muito tempo para chegar. Pelo menos hoje eu tinha o livro do maravilhoso Fante para me distrair.
Cheguei ao terminal e fiquei esperando enquanto lia os capítulos de “O caminho de Los Angeles”. O ônibus que ia para meu bairro antes passava em um pequeno terminal e havia outro ônibus que ia direto a este terminal, e a maioria das pessoas estava pegando esse. Resolvi que seria melhor também pegá-lo e ficar esperando meu ônibus lá no pequeno terminal. Talvez ele chegasse mais rápido. Então subi e fui e quando cheguei estava fazendo um frio suficiente para fazer meus braços descobertos se arrepiarem e me fazer torcer para o ônibus chegar o quanto antes, enquanto lia página atrás de página do livro que era realmente muito bom e tentava aquecer os braços esfregando as mãos neles.
Olhei para as pessoas em volta. A maioria delas estava bem agasalhada. Outros nem tanto. Deviam provavelmente ter trabalhado o dia todo e deviam estar exaustos para chegar em sua casa e dormir o sono dos justos. Um senhor de cadeira de rodas estava acompanhado por uma senhora, talvez sua esposa ou irmã. O ônibus deles chegou e era um dos ônibus mais antigos que não tinha o pequeno elevador responsável por facilitar a vida dos deficientes e ele teve que se virar e subir com uma bengala e a ajuda de um outro homem que foi segurando e guiando o senhor da cadeira de rodas enquanto suas pernas tremiam numa frustrada tentativa do corpo de conseguir o equilíbrio. A mulher trazia a cadeira de rodas atrás e logo ele se instalou sentado em um dos bancos e o ônibus partiu.
Continuei lendo meu livro e morrendo de frio. Meu ônibus felizmente chegou e andou todos os pontos até o de minha casa. Uma moça meio gorda que também desceria ali ia apertar o botão que apitava e avisava ao motorista mas eu já estava com a mão para o alto e ela percebeu isso e me deixou puxar a corda que ficava no alto. Piiii! O sinal tocou e o ônibus parou no ponto que ficava duas quadras acima de minha casa. Eu e a moça gorda descemos e tomamos direções opostas, eu descendo e ela subindo. Pensei em Fante no pequeno caminho. Pensei em como ele escreveria nos dias atuais e em como eu faria isso.
Cheguei em casa e fui até a cozinha. No fogão haviam pedaços de frango empanados, arroz e salada de cenoura. Subi até o quarto de minha mãe e ela já estava deitada para dormir. Me falou que havia comida lá embaixo e lhe dei um beijo de boa noite. Fui até meu quarto e escrevi um pouco antes de ir comer.

Tuesday, August 14, 2007

Uma grande merda de programa

Fui com a minha mãe no dentista pra fazer limpeza nos dentes. Chegamos lá e aguardamos na sala de espera vendo um programa desses onde as pessoas vão resolver suas brigas e coisas do tipo. Uma mulher tinha casado com um ex-gay e a mãe dela não tinha gostado nada disso. Então eles estavam os três lá discutindo sobre o casamento da filha com o ex-gay, que mesmo que tivesse virado hetero ainda tinha o jeito de gay, principalmente pra falar.

Depois começou um quadro onde uma moça com uma voz chata narrava a história trágica que havia sido enviada por uma carta de alguma telespectadora enquanto apareciam cenas fictícias e mudas da história.
Essa era de uma moça que sempre tinha sido honesta e depois foi trabalhar na parte financeira de uma empresa e começou a roubar um monte. Um monte de lenga-lenga no meio da história. Uma grande merda de programa.

A secretária disse que o horário da consulta estava errado. Minha mãe confirmou ter marcado pra terça, mas ela disse que lá estava na quinta. Ficou um tempo nessa confusão mas como o consultório estava vazio o dentista disse que nos atenderia.

Entrei lá e sentei naquela cadeira reclinada. Ele enfiou um cano que era uma espécie de mini-aspirador na minha boca e ficava sugando tudo. Depois me deu um espelho na mão pra ficar olhando a boca e ficou passando um jato de um líquido que fazia a limpeza.
Era um negócio muito foda, ele passava o jato e o dente ficava brilhando de branco na mesma hora.

Eu fiquei lá com o espelho na mão que aos poucos foi ficando encharcado do líquido que espirrava da minha boca. Não demorou quase nada e ele terminou. Depois atendeu minha mãe enquanto eu ficava na sala de espera vendo mais um pedaço do programa de barracos. Uma grande merda de programa.

Thursday, August 02, 2007

Eu só preciso de um pouco de companhia
Ou talvez só precise ficar sozinho

Preciso andar numas ruas desconhecidas, e ver coisas diferentes
Me perder entre calçadas e sarjetas com uma garrafa de vinho

Preciso beber com pessoas que nunca vi antes
Falar sobre coisas que não fazem parte do meu mundo

Na verdade das verdades mesmo eu não sei do que preciso
E enquanto não sei de nada disso só vou vivendo por ai

Sunday, July 29, 2007

Era uma noite de sábado de julho realmente fria em que eu estava deveras cansado e tinha decidido ficar em casa, até um amigo me ligar.

- Alô
- Vamos pruma festa ai?
- Que festa é essa?
- Na casa de uma menina, ela mandou chamar todo mundo que quiser. Só precisa levar bebida.
- Po meu, eu to zerado de grana.
- Relaxa, eu compro bebida pra gente levar.
- Ta. Beleza.

Desliguei e me arrependi de ter dito que ia logo depois. Estava cansado pra valer, não tinha um puto no bolso e do jeito que dois mais dois são quatro esse negócio de levar as bebidas ia dar algum rolo. Estava sem grana até pra voltar de ônibus. Liguei de volta pra dizer que tinha desistido mas ninguém atendia. Liguei pra outro amigo e pedi pra ele dizer que eu não ia.
Então voltei para minhas músicas. Era uma noite de sábado em casa mas eu me sentia realmente bem. Tinha Lou Reed no rádio, pizza na mesa, alguns filmes para assistir e algumas latas de cerveja na geladeira. Também tinha uns três cigarros que haviam sobrado da noite passado. Eu não costumava fumar, mas na última noite da sexta para o sábado resolvi comprar um maço e fumei quase inteiro.
Então fiquei um tempo ali no meu quarto ouvindo a música e tomando as latas de cerveja. O “Sally can’t Dance” do Lou Reed soava muito bem. Eram uns momentos assim em que você percebia que o cara era um gênio. Depois ouvi algumas faixas do “Berlin” e parte do “December’s Children” dos Stones. Acabei com as cervejas e com os cigarros também.
Assisti um dos filmes e não gostei. Não gostava muito de filmes e dificilmente saberia responder se me perguntassem qual era o meu favorito. Todo esse lance de cinema também não era comigo. Geralmente não gostava dos finais, eles geralmente estragavam todo o resto do filme por melhor que fosse, salvo algumas raras exceções. Raríssimas aliás.
Voltei pro meu quarto. Já passavam das cinco da manhã. Li um pouco do “Notas de um velho safado” do Bukowski e fui dormir.

Sunday, July 15, 2007

Que a vida comece

Eu quero que esses anos passem logo. Que essa adolescência vá embora e leve com ela todos esses problemas ridículos e todas essas preocupações desgraçadas.
Ninguém se importa com você, ninguém jamais vai se importar com você fora você mesmo, e ai é a parte difícil. Eu não consigo dar a mínima pra mim. Eu não ligo para o que vai me acontecer no futuro, por isso eu quero que esses anos vão embora o quanto antes.
Então os leve daqui e me deixe em paz, eu vou ficar bem, eu vou ficar bem, eu não vou ficar bem.
Mas isso também não é da sua conta, nem mesmo da minha. Eu estou caído por ai, não tente me levantar, eu agradeço sua boa vontade, mas eu preciso fazer isso sozinho.
Eu preciso que isso acabe, que tudo acabe, que algo acabe, que algo comece, que a vida comece.

Thursday, July 12, 2007

Nas sombras

Queria ter algo pra me orgulhar, ou algo pra lutar, ou alguma força de vontade pra correr atrás das coisas e depois me sentir alguém importante e feliz por ter feito algo. Mas tudo sempre fica na mesma. Eu vou ficar sempre aqui sem fazer nada e as coisas vão continuar desanimadas e sem graça como sempre foram e como provavelmente sempre vão ser.
Eu vou de mal a pior, e quando eu falo isso não é da boca pra fora. Eu sempre tive esse espírito de decadência e sempre achei que nada fosse dar certo. Sou um pessimista convicto de que nada vai mudar, mas no fundo minha alma grita para que algo mude e me faça ter vontade de viver, para que algo me anime e me faça ser alguém, para que algo me deixe realmente feliz e que eu tenha motivos para caminhar por ai com um sorriso nos lábios.
Cansei de viver nas sombras, mas não tenho coragem de procurar a luz.

Thursday, June 28, 2007

E só isso.

Eu preciso de um pouco de paz
E só isso.

Eu preciso que me deixem sossegado, que me esqueçam
Que vão viver suas vidas e me deixem lamentar a minha

Eu preciso de um motivo pra viver
E só isso.

Wednesday, June 13, 2007

Sempre igual


A incerteza de que tudo vai ser sempre igual
Quando a vida me arrebenta e me joga no lixo
Ou se a culpa é minha que faço dela um capricho
E que meus poucos anos são como se fossem muitos
Quando estou triste e sinto meu coração bater junto
E tenho a certeza de que tudo vai ser sempre igual

Sunday, June 10, 2007

Cortando o cabelo.


Quarta feira passada eu fui cortar o cabelo. As melhores vezes em que cortei o cabelo na minha vida foram em salões caros, mas como meu pai é totalmente contra gastar qualquer dinheiro a mais em corte e como mantenho uma freqüência de cortar o cabelo a cada mês e meio, fui no barbeiro que ele corta a muitos e muitos anos, no centro comercial de Londrina.
Ele estava ocupado então cortei com o filho dele. Sentei na cadeira giratória e ele colocou aquela espécie de roupão esquisito pra não cair cabelo nas roupas em mim.
Desde pequeno eu tenho trauma de cortar cabelo. Era um dia maldito para mim. Principalmente porque eu nunca gostava do resultado e detestava a reação de surpresa das pessoas da escola com quem eu tinha que conviver todo dia.
Eu realmente odiava chegar na escola pela manhã e ouvir a mais insolente das perguntas várias vezes ao dia: - Você cortou o cabelo? – Não, tirei pra lavar. Era o que eu geralmente respondia, tirada clássica que eu aprendi ouvindo as pessoas falarem e depois lendo um pocket-book da Mad que comprei numa liquidação do Carrefour chamado “respostas cretinas para perguntas imbecis” e que eram várias situações com perguntas imbecis, e obviamente respostas cretinas. Um dos capítulos se chamava “cortadas ferinas para respostas cretinas de perguntas imbecis” e que era basicamente a mesma coisa da idéia original do livro, mas dessa vez com uma réplica para a pessoa que havia feito a pergunta imbecil dando uma cortada ferina. Todas essas bem engraçadas, era de rolar de rir. Quero achar esse livro, mas provavelmente eu perdi.
De todo modo mostrei a foto do Keith Richards para ele e disse pra cortar igual. Eu sabia que não ia ficar igual, primeiro porque meu cabelo jamais ficaria igual ao dele e segundo porque o cabeleireiro apesar de ser bom não pareceu entender muito bem o corte.
Mas o que realmente me preocupou foi que o cabeleireiro era careca. Totalmente careca. Pareceu a mesma coisa que ir a um dentista banguela, ou a um fisioterapeuta paralítico. Ok, eu estou realmente exagerando. Guardada as devidas proporções eu fiquei um pouco preocupado. Mas o que realmente me deixou frustrado em cortar o cabelo foi ter que ficar olhando para mim mesmo no espelho durante todo o tempo. Experimente fazer isso um dia, é algo realmente desconfortável ficar vendo sua imagem durante 15 ou 20 minutos. Tinha uma Tv do meu lado superior esquerdo e eu tentava incessantemente girar meus olhos sem virar a cabeça para não ter a orelha retalhada e virar um Van Gogh sem pintar porra nenhuma.
Então ele terminou de cortar. E ficou bom. Não ficou ótimo, mas ele não comprometeu, então pra mim já estava perfeito. Se eu saísse do cabeleireiro sem reclamar já era um ótimo progresso e ele ganhava alguma confiança comigo.
Me despedi e sai da barbearia. Andei um pouco ali por perto e encontrei o Hermano perto de onde tínhamos combinado. Gostei quando ele disse que tinha ficado bom, foi confortante pra minha insegurança pós-corte.Depois meu pai viu e perguntou – Você não cortou nada?
Melhor assim, discreto.

Thursday, May 10, 2007

Feriado do dia do trabalho de um desocupado.


O feriado foi ofuscado por uma ressaca leve de uma bebedeira no dia anterior e por um desânimo típico de um domingo em plena terça feira. Feriado do dia do trabalhador. Em muitos lugares do país trabalhadores faziam protestos e festas por esse dia. Eu não trabalhava e mal estudava, portanto era um dia como outro qualquer.
Convenci meu pai a pegarmos pizza e filmes a noite. Filmes alemães muito bons (coisas que só fui descobrir em casa) e pizza da “Pizza Hut”. Preço um pouco alto mas a qualidade indiscutível. Meia corn e bacon e meia pepperoni. Com direito a borda recheada de cheddar em virtude de que o tipo de massa que havíamos pedido primeiramente já havia acabado, assim a atendente ofereceu a borda de cheddar sem preço adicional. De graça, free.
Então a quarta-feira com cara de segunda. Acordei depois do meio dia, como um desocupado que se preze. Almocei um pedaço de pizza amanhecida da noite anterior. A fome voltou e fiz lingüiças no grill. Sentei a mesa que ficava do lado de fora da casa e o vento bateu em meu rosto e senti que aquela era a melhor vida que eu podia levar no futuro.
Meu pai não estava em casa. Mas sua secretária e a diarista estavam. Peguei três latas de cerveja da geladeira e coloquei disfarçadamente no freezer do lado de fora. Fiquei lá comendo lingüiça e bebendo cerveja. Matei duas latas. Estava perto da hora do ônibus passar e precisava tomar um banho. Amassei as latas e coloquei bem escondidas na lixeira. Peguei a lata que havia sobrado e segui até o banheiro da suíte do meu pai. Tranquei a porta do quarto e liguei a televisão. Os canais estavam chiando e quase todos pegando mal. Uma televisão temperamental. Tomei a cerveja, amassei a lata e tomei banho.
Me arrumei e segui até o ponto de ônibus na frente do condomínio de residências. Senhoras, provavelmente empregadas domésticas que trabalhavam no condomínio conversavam: - Meu irmão esta com água no pulmão. Ele tem que fazer uma cirurgia onde enfiam um cano pelo nariz para tirar. (...) A conversa prosseguiu entre doenças e hospitais:
- A filha da minha vizinha é enfermeira e ela falou que chega a chorar direto. – Deve ser difícil né? – E é. Ela diz que sempre vê as “pessoa” morre na frente dela e que sempre o que morre de bebê recém nascido não é brincadeira, coisa triste. – É horrível essas coisas, eu num guentaria “trabaia” em hospital não! – Nem eu menina, é pesado o negocio!
Sentei no banco de concreto e fiquei lendo meu livro (A sangue frio de Truman Capote) enquanto elas conversavam em alto tom de voz atrás de mim. As telhas que formavam a proteção acima do ponto de ônibus deviam servir apenas para chuvas, o local era exatamente aonde o sol batia mais forte e refletia em meu rosto.
O ônibus chegou e todos subiram. Estava vazio e escolhi um lugar onde não batesse sol para me sentar. Estes lugares eram os bancos ao lado direito do ônibus. Certa vez neste mesmo ônibus havia sentado ao lado esquerdo e o sol havia pairado sobre minha cabeça durante todo o trajeto. Mergulhei no livro e a cada parada do ônibus abria os olhos e estava em um lugar diferente, onde eu nunca havia visto ou estado. Apenas em um deles eu tive uma breve recordação de já ter passado por lá, de ônibus também.
Depois de rodar os distritos e condomínios da região chegamos ao pequeno terminal do shopping center de Londrina. Desci e fui até o bebedouro. A água quase não saia e havia de se fazer muito esforço para tomar alguns goles. O ônibus que iria até o terminal principal chegou e subimos. Rapidamente estava lotado e a cada parada mais e mais pessoas se amontoavam dentro. Eu havia conseguido um lugar sentado e alternava momentos entre ler e olhar a cidade pela janela. Em uma das paradas o ônibus já estava lotado e um senhor queria entrar. Bateu forte na porta principal como se estivesse batendo na casa de alguém mas o motorista não abriu. Haviam pessoas praticamente saindo pelas janelas e todas elas se amontoavam em pequenos espaços. Quem estava sentado permanecia confortavelmente imune a toda essa lotação física. O motorista abriu a porta de trás e o homem subiu e se ajeitou até achar um lugar onde pudesse se firmar.
Chegamos ao terminal e eu estava em dúvida se iria para casa ou se iria até a biblioteca pública renovar o empréstimo do livro. Havia saído as pressas pois achava que era o dia máximo para devolver ou renovar o livro, mas descobri no ponto de ônibus que este prazo se estendia até a sexta feira, dois dias alem. Como eu teria que sair de casa para ir até o colégio na sexta poderia passar lá. Então resolvi economizar dois reais e seguir direto para casa.
O ônibus demorou a chegar e uma considerável quantidade de pessoas se amontoou em frente aonde ele viria a parar. Quando chegou começou aquele processo de mini-caos onde as pessoas que estão dentro se apressam para sair e pegar seus ônibus para chegarem mais rápido em seus respectivos destinos e as que estavam fora se preparavam para iniciar uma batalha de entrada mais veloz ao veiculo e garantir um lugar sentado para chegar em suas casas e destinos confortavelmente.
Cheguei na casa de minha mãe e ela disse que não queria cozinhar. Pedimos pizza. Dessa vez da barata, de uma pizzaria a algumas quadras de casa. Sem problemas para mim. Pizza é de longe minha comida favorita. Dessa vez foi meia brócolis e meia milho.
E é isso ai.

Mais um sábado a noite...


Mais um sábado a noite. Dia de sair e relaxar a cabeça cansada da semana inteira. No meu caso quebrar o tédio de uma semana de ócio como tem sido nos últimos tempos. Mas eu não podia me queixar. Lembrava do ano passado onde acordava todo dia as seis da matina e sofria na escola. Sem entender quase nada do que os professores diziam e dormindo aula após aula na carteira dura. Agora pelo menos eu podia dormir na minha cama todos os dias até uma da tarde. Foi como um amigo me disse: Quando você não faz nada quer fazer algo e quando faz algo não quer fazer nada. Mundo contraditório demais.
Mas voltando ao assunto se tratando de um sábado a noite estava louco para sair. Era começo do mês de abril de 2007 e aquele ano estava sendo realmente chato em questão de diversão. As noites de sextas e sábados pareciam todas iguais e sem graças. Liguei para o Hermano e ele estava no bar onde todos os conhecidos costumavam ir aos finais de semana.
Um bar pequeno e ordinário. Parecia que todos freqüentavam o local por falta de opção. Esse era exatamente o meu caso, mas que estava tentando mudar após o garçom que já me conhecia de muitas bebedeiras e longas contas invocou de me pedir identidade. Como menor de idade a única coisa que consegui dizer foi a velha desculpa do “esqueci em casa” que é claro ele não acreditou. O que me deixava realmente puto pois havia gastado boas partes das minhas mesadas no tal bar e muitos outros menores com caras de menores e mais novos que eu bebiam lá sem maiores problemas. Era no mínimo implicância comigo. Maldito garçom. Desejei do fundo da minha alma que ele fosse garçom até o final de sua vida e que em seus dias de folga chovessem incessantemente para o desgraçado nunca mais poder se divertir nessa vida. È o que chamam de rebeldia adolescente que eu sinto ter desde criança e que tem se estendido até hoje e que provavelmente deve continuar no futuro e até o fim da minha vida. Esse famoso espírito rebelde e rock and roll que foi eternizado por gente como James Dean, Elvis Presley e os Rolling Stones. Os Ramones também se encaixam perfeitamente nesse quesito. Conseguiram captar toda aquela áurea de rebeldia, sensibilidade e dúvida que tendemos a passar dos nossos doze aos vinte anos. Coisa que no meu caso aparentava que duraria até o resto da minha. Mas não me abalava nem um pouco. Os adolescentes que tentavam ser adultos e chamar os outros de criança realmente me irritavam. Esses sim eram uns cretinos. Vestidos em disfarces de moral tentavam dar lições de vida, a qual não tinham a mínima sabedoria, tentando dar uma impressão de experiência e causar um ar de respeito às outras vítimas da juventude contemporânea. Vítimas sim. Reféns dessa fase conturbada onde as garotas são o alvo principal e a inconseqüência é a marca registrada. Onde não usar drogas é ser careta e onde ler é perca de tempo para a maioria. Essa última por sinal era a única coisa que me irritava nessa geração. As poucas pessoas que gostavam de ler se apoiavam em autores como Shakespeare, Castro Alves, Carlos Drummond de Andrade entre outros e tentavam manter uma falsa aparência de maturidade. Não que esses caras não sejam brilhantes, eles realmente devem ser.Mas para mim não tem nada a ver com essa fase de espinhas na cara, bebidas na goela, beijos na boca e todas essas coisas que passamos. E pela qual eu estava profundamente mergulhado, afogado e bêbado. Se tem uma coisa que eu realmente nunca me familiarizei foi responsabilidade. Ela bate de frente com meu espírito outsider de liberdade. Preciso de alguém sempre pegando no meu pé para fazer as coisas, assim como Elvis tinha cel. Parker eu preciso de alguém pra ficar controlando meus horários e me lembrando dos compromissos por mais Chato que isso seja e que realmente é. Ou preciso conhecer as pessoas que conseguiram conciliar seu espírito de liberdade com suas tarefas diárias e tomar umas aulas de como ser responsável comigo mesmo. Seja responsável Gabriel. – É isso que meus pais e meus professores vivem me dizendo. Você precisa ter horários a cumprir e não fazer as coisas quando der na sua telha pois seu corpo já esta acostumado a vagabundagem. Foi isso que meu pai me disse e que eu posso concordar plenamente. Meu corpo e minha mente se acostumaram a preguiça. Quanto ao corpo eu não ligo muito, mas quando vejo minha mente afundada em meu próprio ócio sinto um desespero horrível.
Mas voltando ao assunto da noite de sábado liguei para o Hermano e lá ele estava no bar onde todos costumavam ir aos finais de semana. Tomei uma carona com meu pai e quando cheguei lá não havia nem sombra dele. Perguntei a um conhecido e ele disse que havia subido a rua há algum tempo. Subi pelo mesmo lugar e fui até a frente da casa da namorada de um amigo que estava com ele. Nem sinal deles pela resposta do porteiro. Fui até o orelhão mais próximo e disquei a cobrar. Atendeu e quando viu que era a cobrar desligou. Liguei pela segunda vez e dessa vez completou a ligação. Falei o mais rápido que pude e ele disse estar indo me encontrar.
Minutos depois ele e Pedro, o amigo, chegavam juntos. Questionamos o que faríamos e decidimos ir tomar vinho na adega. Um bar de freqüentadores de baixa renda que se amontoavam no balcão tomando pinga, famoso por seu vinho da casa que custava apenas 4 reais a garrafa e era um dos vinhos vagabundos mais satisfatórios que já havia tomado.
Entramos no bar e alguns moleques visivelmente mal-encarados estavam a frente. No balcão um conhecido dos bares pela cidade nos reconheceu e veio falar conosco. Não sabia seu nome e ele também não sabia o meu. Já estava um pouco bêbado pois estava tomando vodka. Tomamos algumas cervejas e compramos o vinho. Um dos garotos mal-encarados da entrada chamou o Hermano e perguntou se não queria comprar erva. Não queríamos. Pediu então dinheiro emprestado. Foi preciso dar aquela velha desculpa de que já tínhamos gastado tudo para que nos esquecessem. Compramos duas garrafas de vinho e quando saímos eles já não estavam mais na frente. Seguimos a pé e um carro velho com alguns idiotas passou nos xingando e gritando. Jogaram uma garrafa de vidro alguns metros a nossa frente para nos assustar com o barulho e não obtiveram sucesso. A garrafa se espatifou no chão e segundos depois passamos no lugar onde ela havia quebrado. As solas de meus tênis estavam consideravelmente furadas e um dos cacos entrou num dos buracos. Senti a pontada e tirei o pedaço de vidro. Sem cortes no meu pé.
O celular de Hermano tocou e era o Pedro Taconi. Outro grande amigo que havíamos combinado de sair. Combinamos de nos encontrar em outro bar da região central da cidade e pra lá seguimos.
O bar era famoso por exibir jogos de futebol e neste dia não foi diferente. Estava lotado dentro e fora, na calçada da frente. Torcedores vibravam com a decisão por pênaltis e depois lamentavam a eliminação de seu time.
Encontramos ele depois de alguns minutos de procura e reunidos seguimos para outro bar da cidade. Até esse momento já havíamos passado por quatro bares da cidade e consumido em três. O problema da cidade não é a falta de opção e sim a falta de qualidade.
Já no outro bar bebemos por mais tempo. Falamos banalidades e encontrei uma garota que havia me relacionado a tempos atrás. E que havia sido uma considerável vadia, mas isso não vem ao caso.
Então enquanto bebíamos e conversávamos o cara que havíamos encontrado no bar do vinho e que havia descoberto se chamar Marco abaixou a cabeça entre as pernas, apoiando a testa na mesa e ouvi o barulho de liquido caindo no chão. Ele havia vomitado em baixo da mesa com uma descrição que nunca havia visto nenhum bêbado ter. O vomito atingiu em cheio a perna do Hermano que apesar das desculpas de Marco percebi estar extremamente bravo. Eu e Pedro ao percebermos o que havia acontecido caímos em risada profunda.
O bar era repleto de patricinhas, mauricinhos e universitários ao fim de que decidimos seguir até outro bar que vendia cervejas mais baratas e ficava ali por perto.
Qual não foi a surpresa quando chegamos e encontramos o bar fechado. Vivia lotado nos finais de semana mas naquele sábado curiosamente se encontrava fechado. Outro amigo nos ligou no celular e disse estar indo nos encontrar. Logo Felipe chegou de carona com Juca, outro amigo e foi então que o pior da noite aconteceu. O carro do Juca tem vidros escuros e não da pra ver nada do que tem dentro. Estávamos bastante embriagados e achei que no carro só estivessem os dois amigos. Fizemos baderno nos vidros. Tirei as calças e juntei no vidro do carro em um ato bêbado para brincar com os rapazes. A janela do motorista se abriu e Hermano enfiou a cabeça dentro do carro. Dei a volta e entrei pelo outro lado para cumprimentar Juca e qual não foi minha surpresa quando era sua namorada que estava sentada ao seu lado. Estranho pois geralmente nesse horário, que já beiravam as três da manhã ela já estava em casa. Ela me expulsou do carro friamente sem hesitar e tentou fechar o vidro na cabeça do Hermano. E ele nada fez para impedir. Por isso que dizem que os amigos que namoram são sempre os mais chatos. E na grande maioria das vezes são mesmo.
Felipe desceu e nós seguimos a pé todo o caminho de volta ao centro no bar Potiguá, famoso por abrigar diversas tribos de rock da cidade.
O bar estava vazio e sem graça como tem sido ultimamente. Felipe e Hermano se sentaram a uma mesa e eu e Pedro fomos até o balcão. Marco, o cara do vômito encontrou um amigo e sumiu com ele.
Logo chegou um homem com capacete na mão e começou a conversar com um metaleiro cabeludo. O homem de capacete disse ser moto-taxi e logo a conversa chegou em Deus.
Os dois discutiam sobre a existência ou não de Deus e travavam uma batalha de opiniões. O moto-taxista perguntou o que o cabeludo fazia da vida e ele disse ser professor de inglês. O moto-taxista perguntou a escola onde ele dava aula e disse que iria ligar e mandar demitir o cabeludo no dia seguinte. Disse que podia comprar a escola de inglês e que o cabeludo não podia dar aula assim. Falava coisas como essa e arrancava risos tímidos de todos presentes que procuravam não se meter na discussão. Olhava para a cara do Pedro e riamos baixo.
Os dois continuaram discutindo e arrancando risos dos espectadores do debate até que o dia amanheceu e a discussão perdeu sua graça. Nos reunimos de novo e seguimos ao terminal. Pegamos o ônibus e voltamos para casa, para um merecido dia de sono.

Sunday, April 29, 2007

Wait until the winter, biel...


Sempre gostei do frio. A época na infância onde assistia filmes entre cobertores junto com meus pais e minha mãe fazia chocolate quente com canela e uma barra de chocolate em cada chicara derretendo enquanto a bebida morna descia por minha garganta e aquecia meu corpo nas noites de frio. Tambem haviam os fondues. Como eram demais! Nos reuniamos em volta da mesa de vidro da sala de jantar e eu mergulhava meus pequenos pedaços de pão italiano no delicioso queijo derretido. Então vinha a melhor parte do fondue. O chocolate derretido e as frutas mergulhadas na maravilhosa massa de chocolate. Então girava e girava os pedaços de banana e uva dentro da panela constantemente aquecida por uma chama por baixo e na grande maioria das vezes acabava perdendo os pedaços de fruta la dentro. E então toda aquela batalha divertida para encontrar e caçar meu pedaço de fruta mergulhado no chocolate.
E todas aquelas roupas e mais roupas amontoadas em meu corpo. Cachecois, luvas e gorros. Era simplesmente incrivel. É claro que tambem tinha o lado ruim. Com o tempo quando passei a estudar de manhã o inverno era uma péssima epoca para se acordar. E os banhos no inverno tambem era terriveis. Mas apesar de tudo eu preferia milhoes de vezes ao calor.
E então o tempo passou e parece que levou o inverno com ele. Já fazem uns anos que não tenho os prazeres de infância e não posso adquirir novas manias para esse clima de acordo com o passar dos anos. Coisas como tomar vinho e caminhar pelas ruas de jaqueta de couro num frio de gelar o rosto, as maos e os pés. Coisas que não faço a uns dois anos ou mais.E então ontem tudo pareceu voltar a essa época antiga. Sai de jaqueta realmente precisando dela. Senti o vento gelado em meu peito coberto apenas por camiseta e fechei os botões da jaqueta jeans um pouco apertada. Mas era muito prazeroso. Não havia porque criticar. Não, nem por um minuto. O vento gelado era maravilhoso e fazia os cabelos se desmancharem no ar. Voltei para casa e dormi com dois cobertores. Há muito tempo não dormia nem com um.
E hoje pela manhã parecia que finalmente a melhor época do ano havia voltado pra ficar. Mesmo ainda sendo outono, ou primavera. Eu sei lá.
E mesmo o inverno ainda não ter chego em definitivo esse dia de frio me fez ter a sensação de que mesmo com o aquecimento global, derretimentos de geleira, recordes de temperaturas elevadas e todos esses fenômenos catastróficos que estamos passando o inverno desse ano vai ser assim como os da minha infância, ou até melhores. Filmes, cobertores, jaquetas, gorros, luvas, chocolates quente, fondue e agora mais do que nunca os vinhos baratos aquecendo minha vida.
Ah, o inverno! Espere até o inverno, biel...

A vida como ela é.



Não sei se foi a ressaca ou os quinze dias sem sair em Londrina, mas me senti extremamente apático nesta noite. Não sei se pelo fato de ser domingo talvez. O dia mais chato da semana. Um domingo enjoado e com uma dor de cabeça pra ninguém botar defeito.
Quatorze dias sem beber e uma festa de meu pai a seus amigos com 50 litros de chopp. Perdi a conta de quantos tomei. Mas sei exatamente a conta do mal estar dominical.
De qualquer modo vou contar o que aconteceu. Fui convidado a comer um lanche na lanchonete onde o pessoal costuma ir aos domingos. Não estava com fome mas queria ver pessoas e respirar um pouco de ar. Livrar-me da atmosfera caseira por um tempo. Meu espírito outsider implorava por isso. Dito e feito.
Tomei uma coca-cola e joguei papo fora. E se querem saber me arrependo de ter pisado fora de casa. Desde esse momento eu me arrependo friamente. Duas semanas depois e as coisas continuam exatamente iguais. Ou piores. Pessoas medíocres e algumas raras exceções. Todos me parecem frios. Esta tudo cinza e todos agem como marionetes construindo relações de amor e ódio. Às vezes o problema não esteja com eles. As vezes esse é o modo certo de se viver e eu estou errado, querendo que tudo seja feito com mais paixão e que as pessoas sejam mais honestas e verdadeiras. Eu realmente devo estar errado sobre tudo na vida.
Depois que todos foram embora e fiquei sozinho senti um gosto amargo em minha boca. Amargo de decepção. Não há graça em viver nesta cidade. Não há euforia nas pessoas e não há alegria nos lugares. É tudo realmente escroto. As pessoas olham para seu próprio umbigo, apontam os outros com seus dedos e falam da vida alheia com suas bocas.
Isto tudo, isto tudo sem contar o grande enjôo que se formava em meu estomago e se refletia em minha alma. A ressaca voltava à tona com a força de um foguete em disparada e a sensação de derrotismo me apunhalava em cheio como um soco na barriga. O céu sabe que sou miserável agora.
Às vezes é realmente difícil viver a vida como ela é.

A primeira aula de gaita.



Acordei tarde para variar. Quase duas. Tomei o café da manhã. È, café da manhã as duas da tarde mesmo. Passei um tempo em frente ao diário computador, tomei um banho e almocei.Esperei para pegar o ônibus e consegui uma carona. Com minha mãe mesmo. Seguimos o caminho e passamos em dois bancos antes onde tive que fazer hora até que ela me deixasse no centro. Passei na biblioteca pública. Entreguei o incrivel "bonequinha de luxo" do Capote que havia lido e tomei emprestado "Sonhos de bunker hill" do maravilhoso gênio Fante.
Segui até a casa do avô do Rico. Nos encontramos. Andamos até o shopping popular da cidade, mais conhecido como câmelo. Comprei cds virgens e um fone de ouvido barato. Fomos até um brechó e comprei um colete social novo. Novo para mim e velho para alguem. Essa é a maravilha dos brechós. Andamos de volta e fizemos o tempo passar na casa de seu avô.
Caminhei até a escola de música onde faria minha primeira aula de gaita. Aula experimental. No caminho passei na frente de um prédio onde morava uma garota que a uns três ou quatro anos atrás havia me rejeitado. Os fantasmas dessa cidade me assombram com essas lembranças.Esperei um tempo na apertada secretária da escola de música onde havia uma pequena televisão para assistir. Passava um dos progamas da tarde onde três rapazes tentavam conquistar uma garota. Os famosos progamas de namoro ou amizade eternizados pelo eterno Silvio Santos.
O professor chegou. usava sandalias de couro e roupas informais. Tinha barba e cabelo enrolados e relativamente grandes. Um rosto um pouco longo e parecia ser um bom homem.
A aula durou pouco mais de meia hora. Aprendi algumas coisas básicas sobre como segurar e assoprar a gaita e ele explicou como funcionava o curso. Então fiz minha matricula e agendei as aulas para as semanas seguintes, todas ao mesmo horário.Uma hora de ócio a menos na minha semana.
Ótimo progresso.

Thursday, April 05, 2007

Garotos e Garotas



Aquele era o bar da galera. O bar dos jovens. O bar onde garotos e garotas se encontravam para paquerar e dançar rock and roll. O bar onde os garotos jogavam sinuca e as garotas pinball. Até que um dia os garotos e garotas deram de portas fechadas. O bar havia fechado por ordem dos vizinhos e dos pais dos garotos e garotas que frequentavam o local. Agora os garotos e garotas teriam que se virar para se divertir tanto quanto ali. E os garotos e garotas cresceram. Sem nunca mais se divertir tanto quanto naquele lugar. E viraram homens e mulheres. Homens e mulheres de negócios. Homens e mulheres com relacionamentos instaveis mas empregos agradaveis. Homens e mulheres que se divertem em jantares de luxo, boates com comandas e carros do ano. Homens e mulheres que viajam para o exterior e passam os feriados no apartamento na beira da praia mais badalada. E agora os homens e mulheres tiveram filhos. E seus filhos cresceram assistindo Tv a cabo e jogando video-games de ultima geração. E seus filhos cresceram mais e gostam de ir aos bares. E seus filhos descobriram um novo bar na cidade. Um bar onde os garotos e garotas se encontram para paquerar e dançar rock and roll. Um bar onde os garotos jogam sinuca e as garotas pinball. Até que um dia os garotos e garotas deram de portas fechadas. O bar havia fechado por ordem dos vizinhos e dos pais dos garotos e garotas que frequentavam o local. Os mesmos homens e mulheres que um dia já foram garotos e garotas. Agora os garotos e garotas teriam que se virar para se divertir tanto quanto ali. E os garotos e garotas cresceram. Sem nunca mais se divertir tanto quanto naquele lugar.
E viraram homens e mulheres...

Wednesday, April 04, 2007

A madame e o motorista.



Ela era loira natural. Seios turbinados de silicone, nariz de cirurgia plástica e roupas da última moda. Gastava cinquenta reais para aparar as pontas do cabelo e desfilava pelo shopping três vezes por semana entrando de mãos vazias e saindo com dezenas de sacolas. Todas elas carregadas por um motorista contratado de quépe e terno completo. Ela tinha até nome de gente importante. Valquiria Nascimento de Mello. Chiquérrima.
Ele por outro lado tinha um nome igual a tantos outros brasileiros. Era José Carlos Da Silva. Zé Silva no trabalho por causa de outros Zé que tinham por lá e Zeca para os amigos de futebol e churrascos. Era manobrista do melhor shopping da cidade. Onde vendiam as roupas mais caras e as senhoras e senhores mais importantes passavam para renovar seu guarda-roupa.
As roupas de Zeca eram as mesmas a anos. Vez ou outra ganhava uma camisa ou meias da liquidação da loja popular no natal. Presente da vovó.
Pelo menos o emprego conseguira. Não era lá grandes coisas mas era o que Zéca sabia fazer. Dirigia muito bem e sempre fora o melhor no volante desde os amigos de adolescência.
Passava o dia girando volantes e pisando em freios e aceleradores de carros de maior luxo. Conhecia praticamente todos os carros importantes da cidade. Havia dirigido cada um ao menos uma vez. Mesmo que fosse por apenas alguns metros fazendo curvas e balizas.
Um dia o destino pregou uma peça. O motorista de dona Valquiria havia sido demitido por ela mesma. Segundo ela incompetencia. Chegara minutos atrasada no chá com as amigas na delicatéssen mais famosa da cidade. O trânsito estava feio e a hora do rush começava a dar seus sinais caóticos na grande cidade. Mas ela pouco se importou. Marcou seu chá as cinco e queria ser pontual como as ladyes inglesas deviam ser. Por isso decidiu ela mesmo dirigir ao shopping. Lá pagaria algum funcionário ou vendedor para levar as sacolas. E foi.
Chegou apressada. Largou o Porsche ganhado de presente pelo marido executivo que passava a maioria dos dias viajando na frente do estacionamento e jogou as chaves para Zéca. Não costumava gostar de ninguem. Nem mesmo gostava de seu marido e não se importava se ele tivesse amantes em suas constantes viajens. Ele financiava seus luxos e isso era o suficiente para ela. Mas simpatizou com Zeca de sopetão. Chamou o gerente do estacionamento do shopping e disse que queria o rapaz para ajuda-la a carregar as compras. Ele concordou e aconselhou o funcionário a manter o bico calado e ajudar no que fosse preciso.
Zeca acompanhou a dona por dentro do shopping. Trabalhava no mesmo lugar a mais de dois anos mas entrara no shopping no máximo três vezes. Os vendedores não gostavam de funcionários externos zanzando pelo shopping. Tinham uma imagem a zelar, diziam.
Zeca acompanhou a dona em todas as lojas. Não abria o bico em momento algum. Ela experimentava as roupas e perguntava sua opinião. Dizia que a senhora estava muito mágnifica e encolhia os ombros com vergonha. Horas de compra se passaram. A dona foi até a praça de alimentação tomar um cappucino e comer um croissant. Zeca associou aquele lanchinho de dona Valquiria com seu pão com mortadela e seu pingado todas as manhãs no bar da esquina de sua casa. Ela perguntou se Zeca estava com fome. Ele confirmou vergonhoso. Ela pediu o mesmo para o rapaz. Se deliciou na comida. Era muito melhor que pão com mortadela e pingado.
Sairam do shopping e foram ao carro. Zeca se atrapalhava em meio a tantas sacolas mas se saia bem. Dona Valquiria caminhava com seu salto alto elegante a sua frente. Descarregou as compras no banco de trás do carro. Valquiria indagou quanto o jovem rapaz recebia. Receoso Zeca falou tímido - Quatrocentos senhora. Disse que agora ele poderia ser seu chofer pelo dobro do salário. Aceitou e pediu as contas ao antigo chefe.
Ganhou quépe e terno. Agora era "elegante" também. Mesmo sem trabalhar no estacionamento continuava indo ao shopping toda semana. Os ex-colegas de trabalho agora comentavam que Zé Silva era protegido da Dona. Zeca se sentia importante. Era um bom motorista para a dona.
Um dia ao sair do shopping após mais uma tarde de compras incessantes ela indicou caminhos diferentes ao da mansão no bairro nobre onde moravam. Zeca seguiu obedientemente. Pararam em frente a um motel. Um dos mais populares da cidade. Zeca perguntou se não se tratava um engano da dona. Ela mandou seguir.
Entraram num dos quartos de paredes imundas e chuveiro elétrico no banheiro. Valquiria satisfez seus desejos de ser possuída como uma qualquer, por seu motorista. Numa cama velha com lençóis sujos.
Desse dia em diante repetiram o caminho todas as semanas.

Monday, March 26, 2007

A primeira carona.



Foi em uma quinta-feira a noite de Julho. Eram as férias do meio do ano e eu estava achando que ia amargar a noite em casa sozinho. Então um amigo me ligou e me convidou pra irmos beber umas cervejas na casa de um outro amigo nosso. Aceitei e segui para a casa dele. Estávamos em sete caras. Então resolvemos pedir um pouco mais de uma grade de cerveja. Num total de aproximadamente trinta garrafas da cerveja mais barata e vagabunda.
Bebemos e conversamos no decorrer da noite. A lucidez foi embora e a fome chegou. Preparamos miojos instantâneos em uma grande panela. Dividimos em pratos e uma briga entre dois dos amigos por quantidade começou. Eles começaram a discutir e colocar desavenças pessoais no meio, apesar de serem muito amigos. Um deles começou a chorar e nós ficamos divididos. Continuei bebendo. Outro que também estava entre os dividos foi embora pra sua casa dormir e o que estava chorando subiu para o quarto do dono da casa logo depois.
Passamos a noite bebendo na varanda da casa. A manhã chegou e as últimas cervejas acabaram. Nos despedimos perto das oito da manhã e descemos a rua de sua casa em direção a uma avenida movimentada algumas quadras abaixo, onde um dos caras pegaria um moto-taxi. O motoqueiro chegou e ele foi embora. Ficamos eu e mais dois completamente embriagados. A noite é realmente inesperada. Nesse caso a manhã, ou seja la o que for esse horário maluco.
Começamos a pedir carona na movimentada avenida. Muitas pessoas seguindo para suas ocupações e trabalhos e nós bêbados sem dormir esperando que alguma carona nos livrasse de caminhar um longo caminho a pé. Dez minutos se passaram e o máximo que conseguimos foi um cara de um carro fazendo sinal com as mãos para irmos a pé. Abaixei as calças e mostrei tudo que devia pro individuo. O que não devia também, mas embriagado você não pensa em absolutamente nada. E também não pensa que além do maldito engraçadinho centenas de pessoas passavam numa ensolarada manhã em seus carros.
Eu já queria desistir. Um deles disse para persistirmos e ele estava certo. Logo um carro do tipo Gol, Corsa ou algo do tipo parou. Corremos até a janela onde um senhor de aproximadamente 40 anos de barba cerrada e cabelos com sinais de brancura dirigia sozinho. Perguntamos se passaria pela avenida Maringá, que era paralela às ruas onde eu e o outro morávamos. Ele confirmou e subimos. Ótimo.
Conversamos no trajeto. O senhor era dentista e estava indo para o trabalho. Falamos sobre futebol e copa do mundo. Ele pareceu ser gente boa. Ia atravessar a avenida inteira e deixou primeiro um deles na rua de sua casa e depois a mim e o outro na rua da minha.
Agradecemos o senhor e descemos na esquina do quarteirão onde eu morava mas não seguimos para casa. Fomos até o posto que ficava do outro lado da rua e que funcionava como padaria na loja de conveniência.
Juntamos os trocados e compramos pães com mortadela. Um total de dois reais e dois pães com algumas fatias de mortadela para cada um. Melhoramos colocando mostarda e catchup que eles distribuíam de graça em pequenos saches.
Terminamos de comer e andamos em direção a minha casa. Do lado esquerdo da rua três ônibus de excursão se enfileiravam esperando que todos seus ocupantes se acomodassem para partir. Enquanto passávamos alguém de dentro do ônibus mecheu conosco. Geralmente não levaríamos a sério. Mas não naquele dia e não naquele estado alcoólico. Voltamos e xingamos todos dos ônibus. Corri até em casa no intuito de pegar alguma faca ou algo assim para ameaçar os indivíduos, desisti e voltei desferir palavras de baixo calão aos desgraçados.
Uma garota gorda e negra apareceu na janela e pediu desculpas pelo suposto rapaz. Ah se as pessoas daqueles ônibus se irritassem nos estaríamos realmente em apuros. Mas incrivelmente nos saímos bem dessa. De cabeça erguida e peito estufado. Com ares de vencedores.
Chegamos em casa e desmaiamos na cama. Acordei na sexta-feira as quatro da tarde lembrando que havia marcado de ir almoçar com um amigo num restaurante vegetariano. Não compareci.

Friday, March 16, 2007

Vinho barato na taça de cristal



Sexta a noite. Todas as pessoas trabalharam incessantemente durante a semana e aguardaram essa noite. E ela chegou. Eu por outro lado não fiz absolutamente nada a semana inteira. Passei quase todos os meus dias trancado dentro dessa fortaleza de concreto que chamam de casa. E eu não fiz nada alem disso e de ouvir música e comer.E agora a sexta chegou. Ninguém para sair. Os meus poucos amigos se encontram numa sexta difícil. Eu realmente não podia deixar minha cabeça se quebrar sozinho nesse mar de tédio. Não mesmo. Eu não agüento mais essa monotonia. Ela está acabando comigo.Fui até um bar a algumas quadras de distância. Comprei um vinho barato de 5 reais. E cá estou eu.
Tomando meu vinho barato numa taça de cristal. Que ironia.
Garotas saem com os namorados. Outras garotas se lamentam por seus relacionamentos não terem dado certo. Eu simplesmente me privo desse problema, não tenho relacionamento pra me preocupar. Não tenho bunda para levar pé e não tenho pé para chutar bunda.
Ás vezes eu me sinto sozinho. É claro. E quem não se sente. São nesses dias como hoje em que compro uma garrafa de vinho ou de algo que o valha e ouço música e escrevo. Oh, e isso me faz realmente muito bem. Nesse momento eu ouço os smiths e o Morrisey sabe como ser melódico. Mas eu também sei interpretá-lo como uma ótima voz que anima minha sexta entediante. E por alguns minutos eu me sinto feliz. Sim, sim, sim! Feliz como um pássaro que canta na gaiola. Ele não está livre, mas tem sua comidinha e por isso canta. Eu também não estou feliz, mas tenho minha garrafa de vinho e por isso escrevo!
Não que minha felicidade se resuma apenas a bebida e música. Mas nesse momento essa combinação maravilhosa me faz perfeitamente bem que eu não consigo me preocupar com outros males. Eu só preciso balançar os ombros no tom da música e descer a cada cinco minutos para encher minha taça. Mas isso me faz tão bem! Assim como o vinho barato na taça de cristal.

Thursday, March 08, 2007

João sem sal.


Já fazia um tempo que João achava que o mundo não tinha mais jeito ultimamente. Acordava todo dia e tomava o café lendo o jornal sobre as desgraças do dia. Trabalhava o dia inteiro e quando voltava pra casa a noite jantava péssimas comidas congeladas sem sal e assistia as desgraças no jornal da noite da televisão. Já tinha tempo que ele não se divertia. Mulheres então nem pensar. Só trabalhava o dia inteiro pra pegar o dinheiro no final do mês e pagar as contas e sustentar os poucos luxos como a tevê a cabo e alguns discos em vinil de sua época de jovem dos quais nunca tinha tempo para escutar e que provavelmente ficariam acumulando pó no solitário apartamento de dois cômodos. Passava o trajeto do ônibus olhando a cidade pela janela e se lamentando por não ser como aquelas pessoas normais que conseguiam ter vidas legais. Do tipo freqüentar bares e restaurantes, ler livros interessantes e ver filmes no cinema só pra ter o que conversar. João não tinha absolutamente nada pra conversar e qualquer pessoa que se aproximasse ia achá-lo alguém muito monótono. Por isso também não tinha amigos. Até seu nome era sem graça, pensava.
A única pessoa que via com freqüência era sua mãe uma vez a cada duas ou três semanas. Não conseguia agüentar os sermões dela sobre sua vida. Mesmo a comida dela sendo muito boa tudo aquilo não compensava.Valia mais a pena ficar com os congelados sem sal. Preferia a companhia de seu cachorro são Bernardo Mário e dar umas voltas nos quarteirões ao redor pra ver um pouco do pôr do sol deprimente. Depois chegava em casa e tomava um café bem forte com um gosto não muito agradável pelo velho coador de pano. Comia umas bolachas água e sal e assistia um pouco das desgraças no jornal da televisão. Então ia dormir e sonhar com uma vida legal pensando que em algum canto da cidade pessoas interessantes deviam estar se divertindo e fazendo coisas interessantes e bacanas. A vida de João era um marasmo.
Até o dia em que foi incomodado enquanto almoçava num restaurante de classe-média próximo a empresa onde trabalhava. Uma garota sozinha como ele sentada na mesa ao lado. Era jovem e vestia roupas atraentes. João achou ela muito bonita. Olhou pra ela por alguns segundos até ter sua atenção chamada de novo:
- Você poderia emprestar o sal pra mim? disse ela.
- Sa-sal?
- É o sal. Esse pó branco nesse vidrinho ai na sua mesa. Ela riu e provocou risos de canto da boca em João também. Ele passou o sal e voltou a comer. Ela interrompeu: -
Você sempre almoça aqui sozinho assim?
- S-si-sim...e-e você?
- É...hmm, geralmente sim.
Suas mãos tremiam. Tirando a zeladora de seu prédio essa era a única mulher que puxava algum assunto com João. As vezes era educação. Ela não ia gostar de alguem como eu, pensou.
- Quer sentar na minha mesa? Convidou a garota.
Aproximadamente trinta segundos depois João conseguiu desferir as palavras de confirmação. Almoçaram e conversaram sobre coisas em comum Nos dias seguintes voltaram a almoçar juntos no mesmo restaurante. E depois sairam pra jantar. E depois juntos na cama. E depois começaram a namorar.
Viraram noivos e moraram juntos. Tomavam café forte e comiam bolachas de água e sal todas as tardes.
Ela adorava cozinhar, e fazia tudo com muito sal. Fato que João adorava duplamente por não ter mais que comprar comidas congeladas e por poder sentir o gosto de sal que fora privado de seu paladar a tanto tempo. Massas, frituras, grelhados e assados. Tudo regado a muito sal. E nos churrascos de final de semana na cobertura do prédio carne mal passada com muito sal grosso.
Viveram felizes e bem alimentados até o dia em que ela encontrou João morto em sua cama. A autópsia registrou que ele havia morrido de uma crise de hipertensão. O motivo - excesso de sal.

Pela madrugada



Eu andava pelas ruas da cidade na inquietude da madrugada em passos rápidos e largos levemente sutis pela embriaguez adquirida nos caóticos bares da cidade.
Bêbados, mendigos, homens de classe, prostitutas, traficantes, patricinhas, bandidos, viciados, fanáticos, playboys, hippies, rockeiros, sambistas e todo tipo de pessoa. Todos dividem as mesmas noites serenas cada qual com sua vidinha.
Eu só andava querendo chegar em casa passando pelo mínimo de situações constragedoras e perigosas pela madrugada.
E cada barulho do meu passo na calçada é como uma pergunta de mim para a rua que responde em silêncio e ar de solidão. São horas que eu tinha vontade de ter o hábito de fumar. Acender um cigarro aquecendo a madrugada e vendo a vida passar mais devagar, ao mesmo tempo em que diminuo o tempo da mesma. Mas como eu não fumava só me restavam as cervejas e os chicletes de menta baratos. Esse negócio todo de chicletes e bebidas já tinha me dado um ínicio de problema com gastrite uns anos atrás. Mas agora eu não ligava mais pra isso.
Passei por uma das ruas movimentadas da madrugada. Numa esquina bichos-grilo dividiam um baseado em extrema comunhão de hábitos e amizade. Na outra garotos ricos ouviam som de um carro do ano e bebiam cervejas e whiskye caros. As diferenças da noite.
Sirenes ecoavam pela madrugada. Filhos batiam carros e pais choravam. Outros filhos entravam em overdoses mas ninguem chorava por eles. A não ser eles mesmos.
E mesmo com tantas diferenças as madrugadas costumam ser sempre iguais.

Matando o tempo.



Levantei perto do meio-dia. Lavei o rosto e comi um pouco da pequena marmitex reservada pra mim. Tomei um banho quente. Mesmo com o calor de 28 graus eu não conseguia tomar banho frio. Maldita mania. Vesti a calça velha e calcei os tênis furados e coloquei a nova camiseta branca dos Rolling Stones que já começava a adquirir sua nova coloração de acordo com seu uso.
Conferi os bolsos e nada. Depois as gavetas, armários, bolsas de minha mãe e ainda nada.
Fui até meu irmão que assistia televisão em frente ao sofá e perguntei se ele não teria dois reais pra me emprestar para que eu pudesse pegar o ônibus. Resposta negativa, foda-se esse maldito. Pernas pra que te tenho. Seis quilômetros na bota pela frente.
Desci a rua de minha casa e virei a direita. O sol estava forte e batia em minha cabeça. Andei mais um pouco e virei umas ruas aqui e outras ali. Direita. Esquerda.
Cheguei a uma rua que dividia um pequeno fundo de vale com muitas arvores a direita e casas humildes com pessoas sentadas em cadeiras de descanso a esquerda. Em cada uma delas devia haver um refrescante suco gelado em suas velhas porem cheias geladeiras. Por isso eu adoro essas pessoas. Mesmo privadas de luxos inúteis elas conseguem encher a geladeira, sentar em frente de suas casas e ser realmente felizes com seus cigarros baratos e suas conversas banais. E isso é verdadeiramente maravilhoso.
Cruzei a rua das casinhas humildes e cheguei na avenida principal. Extensa e íngreme. Enquanto o sol forte batia a pino agora sem arvores para aliviar meu calor.
Subi devagar enquanto sentia o suor escorrer pelas minhas orelhas. O boné na cabeça e os óculos escuros ajudavam mas não diminuíam os raios de sol contra meu rosto e meu corpo.
Perna direita. Perna esquerda. Passo rápido. Passo lento. Já estava a certa altura da avenida, agora não faltava muito em distância e sim em resistência. Força Gabriel, você já agüentou distâncias maiores sem reclamar. Mentira, você reclamou bastante mas agora simplesmente não tem com quem reclamar. Então suba e ande e aperte seu passo.
E logo a distância era mínima. Mas minha garganta estava amarrada de sede. Passei em frente a um bar. Oh se eu tivesse dinheiro pra comprar um refrigerante. Não preciso sonhar tão alto. Uma garrafa de água já estava de bom tamanho. Quem sabe um copo?
Cheguei a escola de música encontraría uns amigos para tocar algumas canções. Tomei quase um litro de água em questão de minutos. Um tempo depois eles chegaram.
Tocamos as músicas sem nada de muito relevante. Apenas voltando a forma perdida após duas semanas sem ensaio. Matamos o resto do tempo comendo lanches de pão de forma com mortadela e tomando refrigerante de uva na cozinha da escola musical.
Liguei pra minha mãe pra tentar uma carona. Sem sombra de dúvidas eu não tinha condições de encarar mais quatro quilômetros de volta pra casa. Mesmo agora sendo só de descidas e não tendo mais sol para fritar meus miolos eu não tinha a mínima disposição. Não mesmo.
Peguei carona com minha mãe em frente ao Mc'donalds da avenida maringá, ao lado do meu antigo colégio e do apartamento que morava a bons meses atrás. E finalmente eu voltaria pra casa de carro e ficaria a toa e ótimo. Mas ela tinha um compromisso do outro lado da cidade e eu teria que fazer hora. Me deu quatro reais em moedas e fui até a padaria ao lado do prédio onde ela tinha ido pra matar o tempo.
Um bairro tranquilo e uma avenida com movimento frequente porem calmo. Perguntei o preço da cerveja ao atendente. Dois reais e sessenta centavos a garrafa. Não compensaria tomar só uma garrafa. Comprei um desses refrigerantes baratos de dois litros e um pacote de salgadinhos. Tomei alguns copos do refrigerante e me arrependi por não ter pego a cerveja. Comi alguns salgadinhos e descobri estar sem a mínima fome. Oh cerveja porque eu não segui o caminho que você me indicou na geladeira da padaria. Ainda se fosse o meu refrigerante preferido, mas ele estava extremamente quente e não compensaria o meu pobre dinheirinho em moedas.
Continuei tomando meu refrigerante vagabundo e olhando para a rua. Ônibus passavam e as pessoas nos automóveis me olhavam sentado na mesa de plástico da padaria.
Ela voltou e voltamos para casa. Passei o resto da noite lendo. Matando o tempo pra ele não me matar.

Tuesday, March 06, 2007

O cabeludo e o video game da lanchonete.



Eu estava lá quando ele entrou a primeira vez na lanchonete. Ficava ali perto da rodoviária numa rua suja aonde os vagabundos vinham pra tomar pinga e os viajantes solitários paravam para comer salgados fritos em óleo velho e barato e tomar café que parecia ser coado em meias velhas e sujas. Os azulejos da parede antes brancos agora eram de uma cor indefinida de sujeira e gordura.
No canto havia uma mesa de sinuca e um video game de luta. Desses bem antigos, da época onde as crianças que não tinham dinheiro se enfileiravam pra jogar nos bares.
Ele chegou com seus cabelos longos e espalhafatosos e os olhos de um azul bem claro, quase da cor do céu. Comprou algumas fichas no balcão e foi para frente do videogame.
Colocou uma ficha e jogou. Demorou jogando, devia ser bom. Então outra. E depois outra e assim por diante. Passou horas em frente ao tal video game. Eu balançava meu copo de cerveja e permanecia sentado na cadeira de sempre, no canto de sempre. Então foi embora sem beber e comer nada, ao contrário da maioria das pessoas que freqüentavam o local.
No outro dia ao mesmo horário ele apareceu. Pediu o mesmo número de fichas, jogou por um pouco mais de tempo do dia anterior e foi embora. E no dia seguinte a mesma coisa, aumentando o tempo em relação ao dia anterior novamente. Devia estar se aperfeiçoando no tal jogo.
Depois de alguns dias dois dos outros freqüentadores diários foram perguntar o que tanto ele gostava no jogo de lutas. Ele simplesmente não respondeu. Seguiu para frente do video game e começou a jogar como sempre. Então perguntaram novamente e ele continuou jogando ao video game como se não fosse com ele. Os ogros ficaram bravos e foram tirar satisfações. Ofenderam o rapaz e sua mãe. Talvez até sua família inteira. Ele permaneceu estático jogando o video game. Os valentões não gostaram nem um pouco. Um deles acertou um soco no rosto do rapaz e o outro quebrou o copo de pinga na parte de trás de sua cabeça. O rapaz cambaleou pra frente e apoiou as mãos na tela do video game. Deu um olhar profundo com os claríssimos olhos azuis e permaneceu calado. Levou mais dois socos de cada um e caiu no chão, um pouco a frente de onde estava antes.
Os ogros riram para cima com suas bocas sujas e baforentas de álcool em sinal de diversão e então saíram e permaneceram no mesmo lugar de sempre no balcão, sem mais se importar com o pobre rapaz cabeludo. Parei de dar atenção ao episódio e voltei a minha cerveja, olhando o horizonte que me proporcionava a visão das centenas de pessoas que saiam e entravam na movimentada rodoviária. Até que um grande barulho chamou minha atenção.
O cabeludo de olhos claros havia quebrado uma das pesadas cadeiras de madeira do bar nas costas de um dos valentões que sangrava desmaiado no chão. Com um dos pés da cadeira quebrada golpeava o outro na nuca incessantemente. As pessoas da lanchonete assistiam a cena boquiabertas. Inclusive este que vos fala.
Não demorou muito e os antes ogros agoram eram mansos indivíduos desmaiados e ensangüentados no chão da lanchonete. O barrigudo e grisalho dono da espelunca arrastou-os até o outro lado da rua e os deixou desmaiados por lá mesmo. O cabeludo tirou um maço de notas do bolso, colocou no balcão e disse: - “Rodada completa pra todos por minha conta. E cinco fichas de videogame, por favor.”

Thursday, March 01, 2007

Dor de corno.



Parou na porta do bar mas não quis entrar. Tirou o maço de cigarros amassado do bolso e colocou um na boca. Na mão direita carregava um cantil desses de whiskye. Passou a mão pelos cabelos grisalhos e coçou a barba mal feita na cara arrasada. Chegou até mim e pediu fogo.
- Só tenho fósforos companheiro.
- Serve. retrucou.
Passei a caixa pra mão dele. Tirou um palito e acendeu o cigarro. Estendi a mão e ele me devolveu a caixa. Abriu o cantil e ao inves de tomar despejou pelo chão aos seus pés. Bem na estreita porta do bar. Eu só acompanhava os movimentos do velho homem. Deve ser algum tipo de louco da cidade, pensei.
Deu mais umas tragadas no cigarro e assoprou a fumaça. Olhou pra mim e disse um "obrigado" fraco e baixo, quase ináudivel. Deixou o cigarro cair ao chão e o fogo se alastrou pela porta do estabelecimento. Pulei a labarada de aproximadamente trinta centimetros que crescia rapidamente e corri em direção ao telefone público pra ligar pros bombeiros. Olhei de canto de olho e o desgraçado já tinha sumido pelas ruas estreitas do bairro.
Os bombeiros chegaram e controlaram a situação. Muitas ambulâncias se amontoaram em frente ao pequeno bar. Pobres bebuns.
Fui pra casa e fiz um café forte pensando em porque aquele maluco havia queimado a porta do bar e porque eu havia emprestado os fósforos. Deitei na cama e dormi pensando no que faria se tivesse alcançado o indivíduo.
No outro dia acordei cedo. Calcei os chinelos e sai para comprar pães e mortadela. Voltei e sentei no sofá para comer um pão e ler as notícias do dia. No canto direito inferior da capa estava a matéria que chamou minha atenção. "Marido traído ateia fogo em bar onde estavam mulher e amante, dez feridos incluindo o casal".
"Nunca mais empresto fogo pra ninguém". Gritei em voz alta enquanto preparava outro sanduíche de mortadela.

Saturday, February 17, 2007

Coquetel do fim do mundo.


Eu andava num tédio danado nos últimos meses. Fazia um tempo que eu só estava tomando vinho barato e assistindo aos notíciarios na Tv.
Saia pela rua vez ou outra pra comprar cigarros e abastecer meu estoque de vinho e uma vez por mês a sede da Assistência pra pegar a grana do meu seguro-trabalho para deficientes. Não que eu fosse um, mas nada que um bom dinheiro não compre um atestado assinado.
Não gostava dessa nova juventude. Eles ficavam por ai bagunçando nas ruas e fazendo coisas inuteis. Aonde é que essa porra de país vai parar, eu pensava.
Ficavam naquela porcaria de escada da igreja fumando seus bagulhos e mechendo com quem passasse. Eu estava louco pra que algum daqueles delinquentes mechesse comigo em algum dia em que eu não estivesse bom pra mete-lo uma boa surra e faze-lo rolar escada abaixo. Mas acho que eles temiam meu olhar de bêbado psicótico. Melhor assim.
Certo dia o telefone tocou. Fazia tempo que ninguem me ligava. Até demorei a atender.
- Pronto.
- John? John Buzziani?
- É. Que porra você quer me vender?
- Não, não é isso John. É que sou...
- Não vou votar em ninguem seu maldito. Esqueça.
- Também não é isso. Sou Marc Gilbest. Trabalhamos juntos na repartição em 1986.
- Ah sim. Claro que lembro. A gente costumava tomar umas cervejas junto né?
- Isso. Mas to ligando pra te convidar pra uma festa minha.
- Festa do que? Você ta fazendo aniversário é?
- Não, não é isso John. Eu escrevi um livro e vou dar um coquetel de lançamento.
- Livro de contos eróticos ou esses romances de empregada?
- Não. É um livro sobre uma teoria do fim do universo.
- Se é coquetel tem bebida certo?
- Sim. Mas o intuito da reunião é debater sobre o livro e como sei que você também se agradava a escrever....
- Beleza. To dentro.
Me falou o horário e ficou um tempo agradacendo até desligar. Cara chato do caramba. Pelo menos ia ter bebida. Mas eu esqueci de perguntar que porra de roupa ia ter que usar nesse negócio. Que se foda. Vou com aquele terno velho mesmo, e não to afim de lavar.
Matei o resto da minha garrafa de vinho e cai de sono no sofá.
Passei o resto do dia assistindo aquelas porcarias de novelas mexicanas até chegar a hora do tal coquetel. Tomei um banho como eu não tomava a tempos. Bem tomado mesmo. Dos pés a cabeça. As bebidas vão compensar. Eu espero.
Fiz a barba e coloquei o terno velho e amarrotado. É John, até que pra um trintão acabado você está bem hoje. Peguei o metrô e desci na estação perto do tal lugar. Numa ruazinha deserta, um lugar mal iluminado e com seguranças bem pagos a frente. Falei meu nome e sobrenome e entrei.
Um monte de intelectuais metidos a besta ao redor. Alguns me olhavam com desprezo, provavelmente pelo terno. Que se fodam esses malditos lambe-sacos do Einstein.
Umas mulheres charmosas com vestidos sexys e uma mesa de frios enorme. Tá legal, frios são gostosos mas eu queria mesmo saber da porra da bebida. Olhei pro balcão e lá estava um senhor colocando garrafas de whiskye na bandeja do outro garçom mais jovem que saia distribuindo pelo recinto.
Cheguei firme no balcão e tirei minha dose. Olhei pro lado e o tal do Marc estava vindo conversar comigo. Agradeci o chato pelo convite e ele começou a falar sobre a idéia do livro, e sobre sua teoria e em volta de nós começaram a se amontoar intelectuais com suas esposas em vestidos sexys enquanto eu não conseguia entender nada daquela conversa sobre uma teoria de surgimento e fim do universo e abordava o garçon dose após dose.
Já pelas tantas olhei em volta e vi os safados ainda em estado primário de bebedeira. Parece que esses inteligentões filhas da mãe não ficam bêbados. Ou não bebem. Aquele de óculos e terno azul está rodando o mesmo copo de whiskye com gelo a quase uma hora. Eles que se fodam, se não bebem bebo eu.
Numa dessas abordagens ao garçom o desgraçado não me viu. Ou fingiu que não viu. Passou reto eu fui atrás. Não ia ficar de copo vazio num lugar onde era tudo de graça.
Passei um grupo de moças discutindo receitas de peru para as festas de fim ano e vi o garçon contornar do lado esquerdo da mesa de frios. Apertei o passo torto e passei firme do lado da mesa. Só deu pra sentir algo enroscado na minha perna. Mas não dava tempo de parar, eu precisava pegar a minha dose com esse crápula. O tempo de um estalo e um fisgão na minha calça velha do terno e olhar pra trás e ver todos aqueles rosbifes, salames, peitos de peru, queijos suiços, cebolas em conserva, carpacios, pratos de porcenala, thaleres de prata voando no ar e num doloroso espetaculo gastronomico cairem nas cabeças, vestidos, sapatos de camurça e decotes das senhoras que discutiam sobre os perus.
Do outro lado da mesa os ternos italianos de linho e os cabelos milimetricamente repartidos esbaldados pelos molhos das conservas e pedaços de frios. O chão era praticamente uma mistura de cores e temperos. O tal do Marc me olhava atravessado, e o resto da festa também. Era eu ou eles.
Alcancei o garçon e puxei a garrafa quase cheia de whiskye. Corri deslizando pelos frios e molhos até a porta. Passei correndo pelos seguranças mal encarados e bem pagos que ainda não deviam nem imaginar o que se passava lá dentro da convenção sobre o surgimento ou fim do mundo.
Alcancei o primeiro ônibus que passava no ponto em diagonal a boate sem nem ao menos ver o destino. Entrei e sentei ao fundo abraçado com minha garrafa de whiskye. Agora é só eu e você querida. Nada de fim do universo ou frios.

Monday, February 12, 2007

Barracas e utilidades.



Andou uns passos da rua. Passou por um homem de terno e gravata e cara séria. Parou uns segundos, pensou e voltou.
-Ei, Antônio? Tony?
O homem olhou pra ele por alguns segundos, sorriu e falou:
-Mário?
Abraçaram-se por um longo tempo. Grandes amigos que se encontravam depois de quase trinta anos. Agora os dois já tinham mais de cinquenta e não vinte e poucos como nas épocas de ouro.
Decidiram tomar um café, relembrar os velhos tempos. Mário recusou o café e pediu uma cerveja.
-Então o que você tem feito seu engravatado?
-Virei gerente de banco. Coisa séria. Sou casado e pai de família. E você continua o mesmo?
-Ahn, digamos que sim. Nesses trinta anos basicamente as únicas coisas que eu fiz foram beber e ler os jornais de esportes.
-Resumindo que você continua o mesmo então.
Gargalhadas soaram pelo ar.
-E ai Tony, e aqueles poemas e contos que você fazia e eu me amarrava. Como é que ficaram?
-Sabe como é companheiro, parei no tempo. Alguns ainda devem estar na minha velha gaveta. Mas não pratiquei mais. E você ainda na ativa?
-Como sempre. Ainda na antiga maquina de escrever.
-Aquela do sorteio do bar do Seu Zé em julho de 1976?
-A própria, em ferro e poeira. Você sempre foi bom com datas seu velho.
-Olha quem fala de mim. Cinquenta anos com carinha de setenta.
Mais risadas ecoaram pela pequena padaria.
-Tony seu maldito engravatado. Essa coisa de café é pra banqueiros veados. Vamos tomar cerveja.
-É bancários Mário. Seu ignorante, mesmo lendo tanto nesse teu eterno ócio você não aprende?
Mas já que é por um bom amigo eu aceito a cerveja. Confeso que pensei bastante em você nesses tempos.
-Desce mais uma garçonete. Eu tambem pensei em você seu safado. Lembrando de todas aquelas trapalhadas dos vinte e poucos anos.
-Nem me fale. Bons tempos.
-Ótimos tempos.
-Lembra o acampamento no Rj onde a gente dormiu com as cinco menininhas hippies e no último dia foi assaltado?
-Claro que sim. Os malditos ladrões ainda deixaram um dos baseados com a gente.
-E a vez em que você bebeu tanto e inventou de arrumar briga com o desgraçado do Plínio no bar.
-E a gente teve que derrubar ele e os amigos dele com garrafas a torto e direita?
-A gente não, eu ia derrubando eles e defendendo você. Foram uns dez.
-É Tony. Naquela época você era um garotão bem forte. E não se metia nesses ternos ai.
-O meu espirito ainda é o mesmo. Seu induzidor de menininhas.
-Bem eu que fiz a filha do pastor virar uma profissional da noite né? hahahaha
Pagaram a conta e sairam pelas ruas. Pararam no primeiro brechó e compraram roupas das antigas pra Tony. Que se livrou do terno de grife italiana por alguns trocados e pra beber mais algumas cervejas.
Já muito bêbados decidiram o destino dali pra frente. Queriam uma vida tranquila. Tony se demitiu. Mário tomou jeito na vida.
Abriram com o capital de Tony e as idéias de Mário uma loja de roupas, bebidas, mochilas, barracas e utilidades.

É chato beber sozinho.


E aqui estou eu. Caído entre as garrafas de vermut e vinho barato na antiga mesa, da casa mais antiga ainda. E você sabe, na vitrola aquele bom e velho disco dos stones que a gente costumava ouvir.
Por isso eu estou aqui digitando coisas sem sentido na maquina de escrever, que se duvidar é mais antiga que a mesa porem menos antiga que a casa. E que casa. Um casarão.
Triste, velho e abandonado. Desde que você me abandonou, é claro.
Sempre achei ele grande pra nós dóis. Não precisavamos de quatro quartos, três salas, cozinha gigante, aréa de serviço do tamanho de uma lavanderia e um quintal capaz de abrigar muitas festas. E quantas nós não demos. Eu sei que você sempre reclamava de todos os meus amigos drogados, e os bêbados, e os malucos, e os escritores mais malucos, e os jornalistas marxistas revolucionários que se isolavam num canto discutindo o futuro e passado país, e os maconheiros espalhando a fumaça que eu sei que você odeia pela casa, e todas aquelas namoradas e acompanhantes deles que você teimava em achar que iam se jogar em cima de mim sem motivo aparente. Ah, e agora eles não estão nem perto. E muito menos você. Agora é só eu e o Joey latindo por ai. Ele tambem tem sentido a sua falta. E como.
Acho que o aluguel vai vencer. Mas eu não vou sair pra pagar. O máximo que eu tenho conseguido me deslocar é até a mercearia da esquina pra comprar os vermuts e vinhos baratos e quentes. As vezes quando sobra dinheiro algumas cervejas também.
A imobiliária fica no mínimo dez quadras de distância, e o banco a doze, e a lotérica a umas quinze. E eu não tenho forças pra abrir a porta e andar por ai.
Acho que ainda não te contei que estou sem luz também. É, eles cortaram semana passada. To tomando banho frio e bebendo vinho quente. Pelo menos a comida eu não sinto mais o gosto, mas deve estar estragada também. Não é nada parecido com aquele macarrão que você fazia. Nem com o seu feijãozinho preto. Mas até que tem me mantido firme em frente a máquina de escrever. Só ouvindo o tec, tec, tec das teclas o dia inteiro.
Fui tentar ligar pra sua mãe de novo pra ver se ela sabe por onde você anda mas cortaram o telefone também. Agora se pegar fogo na casa eu não posso ligar nem pros bombeiros.
Lembra aquele seu vinil do ABBA que eu odiava? Pois é. Me desculpa por ele. Quebrei num acesso de raiva, acho que os cacos ainda tão espalhados por aqui. Mas se você voltar eu juro que compro um novo, e paro de rodar aquele dos Ramones vinte e quatro horas por dia.
Eu to com aquela cara de presidiario que você diz que odeia. Sabe como é, não faço a barba a um bom tempo já.
Ouvi uns amigos comentando que to fedendo a bebida e em profunda decadência. Alguns tavam apostando que eu não durava um mês até cair numa clínica ou manicômio. Hahaha, idiotas. Eles devem achar que eu sou algum tipo de fracassado estúpido. E eu vou provar que estão todos errados. Eu e você meu amor.
Eu não me importo que agora você tem um buraco na cabeça. Eu realmente não me importo se teus miolos estão espalhados pelo chão de algum lugar. Pra mim você ainda é minha princesa.
Eles querem que eu te esqueça e procure outra pra viver. Mas você sabe que eu jamais vou fazer isso. Eu vou ficar aqui te esperando ouvindo o nosso disco dos Beatles e a nossa música preferida. Aposto que você lembra né? In my life.
O Joey ta bem triste ultimamente. Ele fica aqui mordendo a barra da minha calça enquanto eu escrevo provavelmente pedindo comida. Mas eu não tenho muita animação pra levantar da cadeira. Exceto pra comprar bebida. Vez ou outra jogo um pouco do meu almoço sem gosto pra ele. Parece que ele gosta, porque come bem rápido. Ao contrário daquelas raçoes ordinárias com gosto de peixe podre. As vezes também jogo um pouco de vinho ou cerveja pra ele também.
É chato beber sozinho. E você sabe como.