Tuesday, March 06, 2007

O cabeludo e o video game da lanchonete.



Eu estava lá quando ele entrou a primeira vez na lanchonete. Ficava ali perto da rodoviária numa rua suja aonde os vagabundos vinham pra tomar pinga e os viajantes solitários paravam para comer salgados fritos em óleo velho e barato e tomar café que parecia ser coado em meias velhas e sujas. Os azulejos da parede antes brancos agora eram de uma cor indefinida de sujeira e gordura.
No canto havia uma mesa de sinuca e um video game de luta. Desses bem antigos, da época onde as crianças que não tinham dinheiro se enfileiravam pra jogar nos bares.
Ele chegou com seus cabelos longos e espalhafatosos e os olhos de um azul bem claro, quase da cor do céu. Comprou algumas fichas no balcão e foi para frente do videogame.
Colocou uma ficha e jogou. Demorou jogando, devia ser bom. Então outra. E depois outra e assim por diante. Passou horas em frente ao tal video game. Eu balançava meu copo de cerveja e permanecia sentado na cadeira de sempre, no canto de sempre. Então foi embora sem beber e comer nada, ao contrário da maioria das pessoas que freqüentavam o local.
No outro dia ao mesmo horário ele apareceu. Pediu o mesmo número de fichas, jogou por um pouco mais de tempo do dia anterior e foi embora. E no dia seguinte a mesma coisa, aumentando o tempo em relação ao dia anterior novamente. Devia estar se aperfeiçoando no tal jogo.
Depois de alguns dias dois dos outros freqüentadores diários foram perguntar o que tanto ele gostava no jogo de lutas. Ele simplesmente não respondeu. Seguiu para frente do video game e começou a jogar como sempre. Então perguntaram novamente e ele continuou jogando ao video game como se não fosse com ele. Os ogros ficaram bravos e foram tirar satisfações. Ofenderam o rapaz e sua mãe. Talvez até sua família inteira. Ele permaneceu estático jogando o video game. Os valentões não gostaram nem um pouco. Um deles acertou um soco no rosto do rapaz e o outro quebrou o copo de pinga na parte de trás de sua cabeça. O rapaz cambaleou pra frente e apoiou as mãos na tela do video game. Deu um olhar profundo com os claríssimos olhos azuis e permaneceu calado. Levou mais dois socos de cada um e caiu no chão, um pouco a frente de onde estava antes.
Os ogros riram para cima com suas bocas sujas e baforentas de álcool em sinal de diversão e então saíram e permaneceram no mesmo lugar de sempre no balcão, sem mais se importar com o pobre rapaz cabeludo. Parei de dar atenção ao episódio e voltei a minha cerveja, olhando o horizonte que me proporcionava a visão das centenas de pessoas que saiam e entravam na movimentada rodoviária. Até que um grande barulho chamou minha atenção.
O cabeludo de olhos claros havia quebrado uma das pesadas cadeiras de madeira do bar nas costas de um dos valentões que sangrava desmaiado no chão. Com um dos pés da cadeira quebrada golpeava o outro na nuca incessantemente. As pessoas da lanchonete assistiam a cena boquiabertas. Inclusive este que vos fala.
Não demorou muito e os antes ogros agoram eram mansos indivíduos desmaiados e ensangüentados no chão da lanchonete. O barrigudo e grisalho dono da espelunca arrastou-os até o outro lado da rua e os deixou desmaiados por lá mesmo. O cabeludo tirou um maço de notas do bolso, colocou no balcão e disse: - “Rodada completa pra todos por minha conta. E cinco fichas de videogame, por favor.”

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