Monday, March 26, 2007

A primeira carona.



Foi em uma quinta-feira a noite de Julho. Eram as férias do meio do ano e eu estava achando que ia amargar a noite em casa sozinho. Então um amigo me ligou e me convidou pra irmos beber umas cervejas na casa de um outro amigo nosso. Aceitei e segui para a casa dele. Estávamos em sete caras. Então resolvemos pedir um pouco mais de uma grade de cerveja. Num total de aproximadamente trinta garrafas da cerveja mais barata e vagabunda.
Bebemos e conversamos no decorrer da noite. A lucidez foi embora e a fome chegou. Preparamos miojos instantâneos em uma grande panela. Dividimos em pratos e uma briga entre dois dos amigos por quantidade começou. Eles começaram a discutir e colocar desavenças pessoais no meio, apesar de serem muito amigos. Um deles começou a chorar e nós ficamos divididos. Continuei bebendo. Outro que também estava entre os dividos foi embora pra sua casa dormir e o que estava chorando subiu para o quarto do dono da casa logo depois.
Passamos a noite bebendo na varanda da casa. A manhã chegou e as últimas cervejas acabaram. Nos despedimos perto das oito da manhã e descemos a rua de sua casa em direção a uma avenida movimentada algumas quadras abaixo, onde um dos caras pegaria um moto-taxi. O motoqueiro chegou e ele foi embora. Ficamos eu e mais dois completamente embriagados. A noite é realmente inesperada. Nesse caso a manhã, ou seja la o que for esse horário maluco.
Começamos a pedir carona na movimentada avenida. Muitas pessoas seguindo para suas ocupações e trabalhos e nós bêbados sem dormir esperando que alguma carona nos livrasse de caminhar um longo caminho a pé. Dez minutos se passaram e o máximo que conseguimos foi um cara de um carro fazendo sinal com as mãos para irmos a pé. Abaixei as calças e mostrei tudo que devia pro individuo. O que não devia também, mas embriagado você não pensa em absolutamente nada. E também não pensa que além do maldito engraçadinho centenas de pessoas passavam numa ensolarada manhã em seus carros.
Eu já queria desistir. Um deles disse para persistirmos e ele estava certo. Logo um carro do tipo Gol, Corsa ou algo do tipo parou. Corremos até a janela onde um senhor de aproximadamente 40 anos de barba cerrada e cabelos com sinais de brancura dirigia sozinho. Perguntamos se passaria pela avenida Maringá, que era paralela às ruas onde eu e o outro morávamos. Ele confirmou e subimos. Ótimo.
Conversamos no trajeto. O senhor era dentista e estava indo para o trabalho. Falamos sobre futebol e copa do mundo. Ele pareceu ser gente boa. Ia atravessar a avenida inteira e deixou primeiro um deles na rua de sua casa e depois a mim e o outro na rua da minha.
Agradecemos o senhor e descemos na esquina do quarteirão onde eu morava mas não seguimos para casa. Fomos até o posto que ficava do outro lado da rua e que funcionava como padaria na loja de conveniência.
Juntamos os trocados e compramos pães com mortadela. Um total de dois reais e dois pães com algumas fatias de mortadela para cada um. Melhoramos colocando mostarda e catchup que eles distribuíam de graça em pequenos saches.
Terminamos de comer e andamos em direção a minha casa. Do lado esquerdo da rua três ônibus de excursão se enfileiravam esperando que todos seus ocupantes se acomodassem para partir. Enquanto passávamos alguém de dentro do ônibus mecheu conosco. Geralmente não levaríamos a sério. Mas não naquele dia e não naquele estado alcoólico. Voltamos e xingamos todos dos ônibus. Corri até em casa no intuito de pegar alguma faca ou algo assim para ameaçar os indivíduos, desisti e voltei desferir palavras de baixo calão aos desgraçados.
Uma garota gorda e negra apareceu na janela e pediu desculpas pelo suposto rapaz. Ah se as pessoas daqueles ônibus se irritassem nos estaríamos realmente em apuros. Mas incrivelmente nos saímos bem dessa. De cabeça erguida e peito estufado. Com ares de vencedores.
Chegamos em casa e desmaiamos na cama. Acordei na sexta-feira as quatro da tarde lembrando que havia marcado de ir almoçar com um amigo num restaurante vegetariano. Não compareci.

Friday, March 16, 2007

Vinho barato na taça de cristal



Sexta a noite. Todas as pessoas trabalharam incessantemente durante a semana e aguardaram essa noite. E ela chegou. Eu por outro lado não fiz absolutamente nada a semana inteira. Passei quase todos os meus dias trancado dentro dessa fortaleza de concreto que chamam de casa. E eu não fiz nada alem disso e de ouvir música e comer.E agora a sexta chegou. Ninguém para sair. Os meus poucos amigos se encontram numa sexta difícil. Eu realmente não podia deixar minha cabeça se quebrar sozinho nesse mar de tédio. Não mesmo. Eu não agüento mais essa monotonia. Ela está acabando comigo.Fui até um bar a algumas quadras de distância. Comprei um vinho barato de 5 reais. E cá estou eu.
Tomando meu vinho barato numa taça de cristal. Que ironia.
Garotas saem com os namorados. Outras garotas se lamentam por seus relacionamentos não terem dado certo. Eu simplesmente me privo desse problema, não tenho relacionamento pra me preocupar. Não tenho bunda para levar pé e não tenho pé para chutar bunda.
Ás vezes eu me sinto sozinho. É claro. E quem não se sente. São nesses dias como hoje em que compro uma garrafa de vinho ou de algo que o valha e ouço música e escrevo. Oh, e isso me faz realmente muito bem. Nesse momento eu ouço os smiths e o Morrisey sabe como ser melódico. Mas eu também sei interpretá-lo como uma ótima voz que anima minha sexta entediante. E por alguns minutos eu me sinto feliz. Sim, sim, sim! Feliz como um pássaro que canta na gaiola. Ele não está livre, mas tem sua comidinha e por isso canta. Eu também não estou feliz, mas tenho minha garrafa de vinho e por isso escrevo!
Não que minha felicidade se resuma apenas a bebida e música. Mas nesse momento essa combinação maravilhosa me faz perfeitamente bem que eu não consigo me preocupar com outros males. Eu só preciso balançar os ombros no tom da música e descer a cada cinco minutos para encher minha taça. Mas isso me faz tão bem! Assim como o vinho barato na taça de cristal.

Thursday, March 08, 2007

João sem sal.


Já fazia um tempo que João achava que o mundo não tinha mais jeito ultimamente. Acordava todo dia e tomava o café lendo o jornal sobre as desgraças do dia. Trabalhava o dia inteiro e quando voltava pra casa a noite jantava péssimas comidas congeladas sem sal e assistia as desgraças no jornal da noite da televisão. Já tinha tempo que ele não se divertia. Mulheres então nem pensar. Só trabalhava o dia inteiro pra pegar o dinheiro no final do mês e pagar as contas e sustentar os poucos luxos como a tevê a cabo e alguns discos em vinil de sua época de jovem dos quais nunca tinha tempo para escutar e que provavelmente ficariam acumulando pó no solitário apartamento de dois cômodos. Passava o trajeto do ônibus olhando a cidade pela janela e se lamentando por não ser como aquelas pessoas normais que conseguiam ter vidas legais. Do tipo freqüentar bares e restaurantes, ler livros interessantes e ver filmes no cinema só pra ter o que conversar. João não tinha absolutamente nada pra conversar e qualquer pessoa que se aproximasse ia achá-lo alguém muito monótono. Por isso também não tinha amigos. Até seu nome era sem graça, pensava.
A única pessoa que via com freqüência era sua mãe uma vez a cada duas ou três semanas. Não conseguia agüentar os sermões dela sobre sua vida. Mesmo a comida dela sendo muito boa tudo aquilo não compensava.Valia mais a pena ficar com os congelados sem sal. Preferia a companhia de seu cachorro são Bernardo Mário e dar umas voltas nos quarteirões ao redor pra ver um pouco do pôr do sol deprimente. Depois chegava em casa e tomava um café bem forte com um gosto não muito agradável pelo velho coador de pano. Comia umas bolachas água e sal e assistia um pouco das desgraças no jornal da televisão. Então ia dormir e sonhar com uma vida legal pensando que em algum canto da cidade pessoas interessantes deviam estar se divertindo e fazendo coisas interessantes e bacanas. A vida de João era um marasmo.
Até o dia em que foi incomodado enquanto almoçava num restaurante de classe-média próximo a empresa onde trabalhava. Uma garota sozinha como ele sentada na mesa ao lado. Era jovem e vestia roupas atraentes. João achou ela muito bonita. Olhou pra ela por alguns segundos até ter sua atenção chamada de novo:
- Você poderia emprestar o sal pra mim? disse ela.
- Sa-sal?
- É o sal. Esse pó branco nesse vidrinho ai na sua mesa. Ela riu e provocou risos de canto da boca em João também. Ele passou o sal e voltou a comer. Ela interrompeu: -
Você sempre almoça aqui sozinho assim?
- S-si-sim...e-e você?
- É...hmm, geralmente sim.
Suas mãos tremiam. Tirando a zeladora de seu prédio essa era a única mulher que puxava algum assunto com João. As vezes era educação. Ela não ia gostar de alguem como eu, pensou.
- Quer sentar na minha mesa? Convidou a garota.
Aproximadamente trinta segundos depois João conseguiu desferir as palavras de confirmação. Almoçaram e conversaram sobre coisas em comum Nos dias seguintes voltaram a almoçar juntos no mesmo restaurante. E depois sairam pra jantar. E depois juntos na cama. E depois começaram a namorar.
Viraram noivos e moraram juntos. Tomavam café forte e comiam bolachas de água e sal todas as tardes.
Ela adorava cozinhar, e fazia tudo com muito sal. Fato que João adorava duplamente por não ter mais que comprar comidas congeladas e por poder sentir o gosto de sal que fora privado de seu paladar a tanto tempo. Massas, frituras, grelhados e assados. Tudo regado a muito sal. E nos churrascos de final de semana na cobertura do prédio carne mal passada com muito sal grosso.
Viveram felizes e bem alimentados até o dia em que ela encontrou João morto em sua cama. A autópsia registrou que ele havia morrido de uma crise de hipertensão. O motivo - excesso de sal.

Pela madrugada



Eu andava pelas ruas da cidade na inquietude da madrugada em passos rápidos e largos levemente sutis pela embriaguez adquirida nos caóticos bares da cidade.
Bêbados, mendigos, homens de classe, prostitutas, traficantes, patricinhas, bandidos, viciados, fanáticos, playboys, hippies, rockeiros, sambistas e todo tipo de pessoa. Todos dividem as mesmas noites serenas cada qual com sua vidinha.
Eu só andava querendo chegar em casa passando pelo mínimo de situações constragedoras e perigosas pela madrugada.
E cada barulho do meu passo na calçada é como uma pergunta de mim para a rua que responde em silêncio e ar de solidão. São horas que eu tinha vontade de ter o hábito de fumar. Acender um cigarro aquecendo a madrugada e vendo a vida passar mais devagar, ao mesmo tempo em que diminuo o tempo da mesma. Mas como eu não fumava só me restavam as cervejas e os chicletes de menta baratos. Esse negócio todo de chicletes e bebidas já tinha me dado um ínicio de problema com gastrite uns anos atrás. Mas agora eu não ligava mais pra isso.
Passei por uma das ruas movimentadas da madrugada. Numa esquina bichos-grilo dividiam um baseado em extrema comunhão de hábitos e amizade. Na outra garotos ricos ouviam som de um carro do ano e bebiam cervejas e whiskye caros. As diferenças da noite.
Sirenes ecoavam pela madrugada. Filhos batiam carros e pais choravam. Outros filhos entravam em overdoses mas ninguem chorava por eles. A não ser eles mesmos.
E mesmo com tantas diferenças as madrugadas costumam ser sempre iguais.

Matando o tempo.



Levantei perto do meio-dia. Lavei o rosto e comi um pouco da pequena marmitex reservada pra mim. Tomei um banho quente. Mesmo com o calor de 28 graus eu não conseguia tomar banho frio. Maldita mania. Vesti a calça velha e calcei os tênis furados e coloquei a nova camiseta branca dos Rolling Stones que já começava a adquirir sua nova coloração de acordo com seu uso.
Conferi os bolsos e nada. Depois as gavetas, armários, bolsas de minha mãe e ainda nada.
Fui até meu irmão que assistia televisão em frente ao sofá e perguntei se ele não teria dois reais pra me emprestar para que eu pudesse pegar o ônibus. Resposta negativa, foda-se esse maldito. Pernas pra que te tenho. Seis quilômetros na bota pela frente.
Desci a rua de minha casa e virei a direita. O sol estava forte e batia em minha cabeça. Andei mais um pouco e virei umas ruas aqui e outras ali. Direita. Esquerda.
Cheguei a uma rua que dividia um pequeno fundo de vale com muitas arvores a direita e casas humildes com pessoas sentadas em cadeiras de descanso a esquerda. Em cada uma delas devia haver um refrescante suco gelado em suas velhas porem cheias geladeiras. Por isso eu adoro essas pessoas. Mesmo privadas de luxos inúteis elas conseguem encher a geladeira, sentar em frente de suas casas e ser realmente felizes com seus cigarros baratos e suas conversas banais. E isso é verdadeiramente maravilhoso.
Cruzei a rua das casinhas humildes e cheguei na avenida principal. Extensa e íngreme. Enquanto o sol forte batia a pino agora sem arvores para aliviar meu calor.
Subi devagar enquanto sentia o suor escorrer pelas minhas orelhas. O boné na cabeça e os óculos escuros ajudavam mas não diminuíam os raios de sol contra meu rosto e meu corpo.
Perna direita. Perna esquerda. Passo rápido. Passo lento. Já estava a certa altura da avenida, agora não faltava muito em distância e sim em resistência. Força Gabriel, você já agüentou distâncias maiores sem reclamar. Mentira, você reclamou bastante mas agora simplesmente não tem com quem reclamar. Então suba e ande e aperte seu passo.
E logo a distância era mínima. Mas minha garganta estava amarrada de sede. Passei em frente a um bar. Oh se eu tivesse dinheiro pra comprar um refrigerante. Não preciso sonhar tão alto. Uma garrafa de água já estava de bom tamanho. Quem sabe um copo?
Cheguei a escola de música encontraría uns amigos para tocar algumas canções. Tomei quase um litro de água em questão de minutos. Um tempo depois eles chegaram.
Tocamos as músicas sem nada de muito relevante. Apenas voltando a forma perdida após duas semanas sem ensaio. Matamos o resto do tempo comendo lanches de pão de forma com mortadela e tomando refrigerante de uva na cozinha da escola musical.
Liguei pra minha mãe pra tentar uma carona. Sem sombra de dúvidas eu não tinha condições de encarar mais quatro quilômetros de volta pra casa. Mesmo agora sendo só de descidas e não tendo mais sol para fritar meus miolos eu não tinha a mínima disposição. Não mesmo.
Peguei carona com minha mãe em frente ao Mc'donalds da avenida maringá, ao lado do meu antigo colégio e do apartamento que morava a bons meses atrás. E finalmente eu voltaria pra casa de carro e ficaria a toa e ótimo. Mas ela tinha um compromisso do outro lado da cidade e eu teria que fazer hora. Me deu quatro reais em moedas e fui até a padaria ao lado do prédio onde ela tinha ido pra matar o tempo.
Um bairro tranquilo e uma avenida com movimento frequente porem calmo. Perguntei o preço da cerveja ao atendente. Dois reais e sessenta centavos a garrafa. Não compensaria tomar só uma garrafa. Comprei um desses refrigerantes baratos de dois litros e um pacote de salgadinhos. Tomei alguns copos do refrigerante e me arrependi por não ter pego a cerveja. Comi alguns salgadinhos e descobri estar sem a mínima fome. Oh cerveja porque eu não segui o caminho que você me indicou na geladeira da padaria. Ainda se fosse o meu refrigerante preferido, mas ele estava extremamente quente e não compensaria o meu pobre dinheirinho em moedas.
Continuei tomando meu refrigerante vagabundo e olhando para a rua. Ônibus passavam e as pessoas nos automóveis me olhavam sentado na mesa de plástico da padaria.
Ela voltou e voltamos para casa. Passei o resto da noite lendo. Matando o tempo pra ele não me matar.

Tuesday, March 06, 2007

O cabeludo e o video game da lanchonete.



Eu estava lá quando ele entrou a primeira vez na lanchonete. Ficava ali perto da rodoviária numa rua suja aonde os vagabundos vinham pra tomar pinga e os viajantes solitários paravam para comer salgados fritos em óleo velho e barato e tomar café que parecia ser coado em meias velhas e sujas. Os azulejos da parede antes brancos agora eram de uma cor indefinida de sujeira e gordura.
No canto havia uma mesa de sinuca e um video game de luta. Desses bem antigos, da época onde as crianças que não tinham dinheiro se enfileiravam pra jogar nos bares.
Ele chegou com seus cabelos longos e espalhafatosos e os olhos de um azul bem claro, quase da cor do céu. Comprou algumas fichas no balcão e foi para frente do videogame.
Colocou uma ficha e jogou. Demorou jogando, devia ser bom. Então outra. E depois outra e assim por diante. Passou horas em frente ao tal video game. Eu balançava meu copo de cerveja e permanecia sentado na cadeira de sempre, no canto de sempre. Então foi embora sem beber e comer nada, ao contrário da maioria das pessoas que freqüentavam o local.
No outro dia ao mesmo horário ele apareceu. Pediu o mesmo número de fichas, jogou por um pouco mais de tempo do dia anterior e foi embora. E no dia seguinte a mesma coisa, aumentando o tempo em relação ao dia anterior novamente. Devia estar se aperfeiçoando no tal jogo.
Depois de alguns dias dois dos outros freqüentadores diários foram perguntar o que tanto ele gostava no jogo de lutas. Ele simplesmente não respondeu. Seguiu para frente do video game e começou a jogar como sempre. Então perguntaram novamente e ele continuou jogando ao video game como se não fosse com ele. Os ogros ficaram bravos e foram tirar satisfações. Ofenderam o rapaz e sua mãe. Talvez até sua família inteira. Ele permaneceu estático jogando o video game. Os valentões não gostaram nem um pouco. Um deles acertou um soco no rosto do rapaz e o outro quebrou o copo de pinga na parte de trás de sua cabeça. O rapaz cambaleou pra frente e apoiou as mãos na tela do video game. Deu um olhar profundo com os claríssimos olhos azuis e permaneceu calado. Levou mais dois socos de cada um e caiu no chão, um pouco a frente de onde estava antes.
Os ogros riram para cima com suas bocas sujas e baforentas de álcool em sinal de diversão e então saíram e permaneceram no mesmo lugar de sempre no balcão, sem mais se importar com o pobre rapaz cabeludo. Parei de dar atenção ao episódio e voltei a minha cerveja, olhando o horizonte que me proporcionava a visão das centenas de pessoas que saiam e entravam na movimentada rodoviária. Até que um grande barulho chamou minha atenção.
O cabeludo de olhos claros havia quebrado uma das pesadas cadeiras de madeira do bar nas costas de um dos valentões que sangrava desmaiado no chão. Com um dos pés da cadeira quebrada golpeava o outro na nuca incessantemente. As pessoas da lanchonete assistiam a cena boquiabertas. Inclusive este que vos fala.
Não demorou muito e os antes ogros agoram eram mansos indivíduos desmaiados e ensangüentados no chão da lanchonete. O barrigudo e grisalho dono da espelunca arrastou-os até o outro lado da rua e os deixou desmaiados por lá mesmo. O cabeludo tirou um maço de notas do bolso, colocou no balcão e disse: - “Rodada completa pra todos por minha conta. E cinco fichas de videogame, por favor.”

Thursday, March 01, 2007

Dor de corno.



Parou na porta do bar mas não quis entrar. Tirou o maço de cigarros amassado do bolso e colocou um na boca. Na mão direita carregava um cantil desses de whiskye. Passou a mão pelos cabelos grisalhos e coçou a barba mal feita na cara arrasada. Chegou até mim e pediu fogo.
- Só tenho fósforos companheiro.
- Serve. retrucou.
Passei a caixa pra mão dele. Tirou um palito e acendeu o cigarro. Estendi a mão e ele me devolveu a caixa. Abriu o cantil e ao inves de tomar despejou pelo chão aos seus pés. Bem na estreita porta do bar. Eu só acompanhava os movimentos do velho homem. Deve ser algum tipo de louco da cidade, pensei.
Deu mais umas tragadas no cigarro e assoprou a fumaça. Olhou pra mim e disse um "obrigado" fraco e baixo, quase ináudivel. Deixou o cigarro cair ao chão e o fogo se alastrou pela porta do estabelecimento. Pulei a labarada de aproximadamente trinta centimetros que crescia rapidamente e corri em direção ao telefone público pra ligar pros bombeiros. Olhei de canto de olho e o desgraçado já tinha sumido pelas ruas estreitas do bairro.
Os bombeiros chegaram e controlaram a situação. Muitas ambulâncias se amontoaram em frente ao pequeno bar. Pobres bebuns.
Fui pra casa e fiz um café forte pensando em porque aquele maluco havia queimado a porta do bar e porque eu havia emprestado os fósforos. Deitei na cama e dormi pensando no que faria se tivesse alcançado o indivíduo.
No outro dia acordei cedo. Calcei os chinelos e sai para comprar pães e mortadela. Voltei e sentei no sofá para comer um pão e ler as notícias do dia. No canto direito inferior da capa estava a matéria que chamou minha atenção. "Marido traído ateia fogo em bar onde estavam mulher e amante, dez feridos incluindo o casal".
"Nunca mais empresto fogo pra ninguém". Gritei em voz alta enquanto preparava outro sanduíche de mortadela.