Saturday, February 17, 2007

Coquetel do fim do mundo.


Eu andava num tédio danado nos últimos meses. Fazia um tempo que eu só estava tomando vinho barato e assistindo aos notíciarios na Tv.
Saia pela rua vez ou outra pra comprar cigarros e abastecer meu estoque de vinho e uma vez por mês a sede da Assistência pra pegar a grana do meu seguro-trabalho para deficientes. Não que eu fosse um, mas nada que um bom dinheiro não compre um atestado assinado.
Não gostava dessa nova juventude. Eles ficavam por ai bagunçando nas ruas e fazendo coisas inuteis. Aonde é que essa porra de país vai parar, eu pensava.
Ficavam naquela porcaria de escada da igreja fumando seus bagulhos e mechendo com quem passasse. Eu estava louco pra que algum daqueles delinquentes mechesse comigo em algum dia em que eu não estivesse bom pra mete-lo uma boa surra e faze-lo rolar escada abaixo. Mas acho que eles temiam meu olhar de bêbado psicótico. Melhor assim.
Certo dia o telefone tocou. Fazia tempo que ninguem me ligava. Até demorei a atender.
- Pronto.
- John? John Buzziani?
- É. Que porra você quer me vender?
- Não, não é isso John. É que sou...
- Não vou votar em ninguem seu maldito. Esqueça.
- Também não é isso. Sou Marc Gilbest. Trabalhamos juntos na repartição em 1986.
- Ah sim. Claro que lembro. A gente costumava tomar umas cervejas junto né?
- Isso. Mas to ligando pra te convidar pra uma festa minha.
- Festa do que? Você ta fazendo aniversário é?
- Não, não é isso John. Eu escrevi um livro e vou dar um coquetel de lançamento.
- Livro de contos eróticos ou esses romances de empregada?
- Não. É um livro sobre uma teoria do fim do universo.
- Se é coquetel tem bebida certo?
- Sim. Mas o intuito da reunião é debater sobre o livro e como sei que você também se agradava a escrever....
- Beleza. To dentro.
Me falou o horário e ficou um tempo agradacendo até desligar. Cara chato do caramba. Pelo menos ia ter bebida. Mas eu esqueci de perguntar que porra de roupa ia ter que usar nesse negócio. Que se foda. Vou com aquele terno velho mesmo, e não to afim de lavar.
Matei o resto da minha garrafa de vinho e cai de sono no sofá.
Passei o resto do dia assistindo aquelas porcarias de novelas mexicanas até chegar a hora do tal coquetel. Tomei um banho como eu não tomava a tempos. Bem tomado mesmo. Dos pés a cabeça. As bebidas vão compensar. Eu espero.
Fiz a barba e coloquei o terno velho e amarrotado. É John, até que pra um trintão acabado você está bem hoje. Peguei o metrô e desci na estação perto do tal lugar. Numa ruazinha deserta, um lugar mal iluminado e com seguranças bem pagos a frente. Falei meu nome e sobrenome e entrei.
Um monte de intelectuais metidos a besta ao redor. Alguns me olhavam com desprezo, provavelmente pelo terno. Que se fodam esses malditos lambe-sacos do Einstein.
Umas mulheres charmosas com vestidos sexys e uma mesa de frios enorme. Tá legal, frios são gostosos mas eu queria mesmo saber da porra da bebida. Olhei pro balcão e lá estava um senhor colocando garrafas de whiskye na bandeja do outro garçom mais jovem que saia distribuindo pelo recinto.
Cheguei firme no balcão e tirei minha dose. Olhei pro lado e o tal do Marc estava vindo conversar comigo. Agradeci o chato pelo convite e ele começou a falar sobre a idéia do livro, e sobre sua teoria e em volta de nós começaram a se amontoar intelectuais com suas esposas em vestidos sexys enquanto eu não conseguia entender nada daquela conversa sobre uma teoria de surgimento e fim do universo e abordava o garçon dose após dose.
Já pelas tantas olhei em volta e vi os safados ainda em estado primário de bebedeira. Parece que esses inteligentões filhas da mãe não ficam bêbados. Ou não bebem. Aquele de óculos e terno azul está rodando o mesmo copo de whiskye com gelo a quase uma hora. Eles que se fodam, se não bebem bebo eu.
Numa dessas abordagens ao garçom o desgraçado não me viu. Ou fingiu que não viu. Passou reto eu fui atrás. Não ia ficar de copo vazio num lugar onde era tudo de graça.
Passei um grupo de moças discutindo receitas de peru para as festas de fim ano e vi o garçon contornar do lado esquerdo da mesa de frios. Apertei o passo torto e passei firme do lado da mesa. Só deu pra sentir algo enroscado na minha perna. Mas não dava tempo de parar, eu precisava pegar a minha dose com esse crápula. O tempo de um estalo e um fisgão na minha calça velha do terno e olhar pra trás e ver todos aqueles rosbifes, salames, peitos de peru, queijos suiços, cebolas em conserva, carpacios, pratos de porcenala, thaleres de prata voando no ar e num doloroso espetaculo gastronomico cairem nas cabeças, vestidos, sapatos de camurça e decotes das senhoras que discutiam sobre os perus.
Do outro lado da mesa os ternos italianos de linho e os cabelos milimetricamente repartidos esbaldados pelos molhos das conservas e pedaços de frios. O chão era praticamente uma mistura de cores e temperos. O tal do Marc me olhava atravessado, e o resto da festa também. Era eu ou eles.
Alcancei o garçon e puxei a garrafa quase cheia de whiskye. Corri deslizando pelos frios e molhos até a porta. Passei correndo pelos seguranças mal encarados e bem pagos que ainda não deviam nem imaginar o que se passava lá dentro da convenção sobre o surgimento ou fim do mundo.
Alcancei o primeiro ônibus que passava no ponto em diagonal a boate sem nem ao menos ver o destino. Entrei e sentei ao fundo abraçado com minha garrafa de whiskye. Agora é só eu e você querida. Nada de fim do universo ou frios.

Monday, February 12, 2007

Barracas e utilidades.



Andou uns passos da rua. Passou por um homem de terno e gravata e cara séria. Parou uns segundos, pensou e voltou.
-Ei, Antônio? Tony?
O homem olhou pra ele por alguns segundos, sorriu e falou:
-Mário?
Abraçaram-se por um longo tempo. Grandes amigos que se encontravam depois de quase trinta anos. Agora os dois já tinham mais de cinquenta e não vinte e poucos como nas épocas de ouro.
Decidiram tomar um café, relembrar os velhos tempos. Mário recusou o café e pediu uma cerveja.
-Então o que você tem feito seu engravatado?
-Virei gerente de banco. Coisa séria. Sou casado e pai de família. E você continua o mesmo?
-Ahn, digamos que sim. Nesses trinta anos basicamente as únicas coisas que eu fiz foram beber e ler os jornais de esportes.
-Resumindo que você continua o mesmo então.
Gargalhadas soaram pelo ar.
-E ai Tony, e aqueles poemas e contos que você fazia e eu me amarrava. Como é que ficaram?
-Sabe como é companheiro, parei no tempo. Alguns ainda devem estar na minha velha gaveta. Mas não pratiquei mais. E você ainda na ativa?
-Como sempre. Ainda na antiga maquina de escrever.
-Aquela do sorteio do bar do Seu Zé em julho de 1976?
-A própria, em ferro e poeira. Você sempre foi bom com datas seu velho.
-Olha quem fala de mim. Cinquenta anos com carinha de setenta.
Mais risadas ecoaram pela pequena padaria.
-Tony seu maldito engravatado. Essa coisa de café é pra banqueiros veados. Vamos tomar cerveja.
-É bancários Mário. Seu ignorante, mesmo lendo tanto nesse teu eterno ócio você não aprende?
Mas já que é por um bom amigo eu aceito a cerveja. Confeso que pensei bastante em você nesses tempos.
-Desce mais uma garçonete. Eu tambem pensei em você seu safado. Lembrando de todas aquelas trapalhadas dos vinte e poucos anos.
-Nem me fale. Bons tempos.
-Ótimos tempos.
-Lembra o acampamento no Rj onde a gente dormiu com as cinco menininhas hippies e no último dia foi assaltado?
-Claro que sim. Os malditos ladrões ainda deixaram um dos baseados com a gente.
-E a vez em que você bebeu tanto e inventou de arrumar briga com o desgraçado do Plínio no bar.
-E a gente teve que derrubar ele e os amigos dele com garrafas a torto e direita?
-A gente não, eu ia derrubando eles e defendendo você. Foram uns dez.
-É Tony. Naquela época você era um garotão bem forte. E não se metia nesses ternos ai.
-O meu espirito ainda é o mesmo. Seu induzidor de menininhas.
-Bem eu que fiz a filha do pastor virar uma profissional da noite né? hahahaha
Pagaram a conta e sairam pelas ruas. Pararam no primeiro brechó e compraram roupas das antigas pra Tony. Que se livrou do terno de grife italiana por alguns trocados e pra beber mais algumas cervejas.
Já muito bêbados decidiram o destino dali pra frente. Queriam uma vida tranquila. Tony se demitiu. Mário tomou jeito na vida.
Abriram com o capital de Tony e as idéias de Mário uma loja de roupas, bebidas, mochilas, barracas e utilidades.

É chato beber sozinho.


E aqui estou eu. Caído entre as garrafas de vermut e vinho barato na antiga mesa, da casa mais antiga ainda. E você sabe, na vitrola aquele bom e velho disco dos stones que a gente costumava ouvir.
Por isso eu estou aqui digitando coisas sem sentido na maquina de escrever, que se duvidar é mais antiga que a mesa porem menos antiga que a casa. E que casa. Um casarão.
Triste, velho e abandonado. Desde que você me abandonou, é claro.
Sempre achei ele grande pra nós dóis. Não precisavamos de quatro quartos, três salas, cozinha gigante, aréa de serviço do tamanho de uma lavanderia e um quintal capaz de abrigar muitas festas. E quantas nós não demos. Eu sei que você sempre reclamava de todos os meus amigos drogados, e os bêbados, e os malucos, e os escritores mais malucos, e os jornalistas marxistas revolucionários que se isolavam num canto discutindo o futuro e passado país, e os maconheiros espalhando a fumaça que eu sei que você odeia pela casa, e todas aquelas namoradas e acompanhantes deles que você teimava em achar que iam se jogar em cima de mim sem motivo aparente. Ah, e agora eles não estão nem perto. E muito menos você. Agora é só eu e o Joey latindo por ai. Ele tambem tem sentido a sua falta. E como.
Acho que o aluguel vai vencer. Mas eu não vou sair pra pagar. O máximo que eu tenho conseguido me deslocar é até a mercearia da esquina pra comprar os vermuts e vinhos baratos e quentes. As vezes quando sobra dinheiro algumas cervejas também.
A imobiliária fica no mínimo dez quadras de distância, e o banco a doze, e a lotérica a umas quinze. E eu não tenho forças pra abrir a porta e andar por ai.
Acho que ainda não te contei que estou sem luz também. É, eles cortaram semana passada. To tomando banho frio e bebendo vinho quente. Pelo menos a comida eu não sinto mais o gosto, mas deve estar estragada também. Não é nada parecido com aquele macarrão que você fazia. Nem com o seu feijãozinho preto. Mas até que tem me mantido firme em frente a máquina de escrever. Só ouvindo o tec, tec, tec das teclas o dia inteiro.
Fui tentar ligar pra sua mãe de novo pra ver se ela sabe por onde você anda mas cortaram o telefone também. Agora se pegar fogo na casa eu não posso ligar nem pros bombeiros.
Lembra aquele seu vinil do ABBA que eu odiava? Pois é. Me desculpa por ele. Quebrei num acesso de raiva, acho que os cacos ainda tão espalhados por aqui. Mas se você voltar eu juro que compro um novo, e paro de rodar aquele dos Ramones vinte e quatro horas por dia.
Eu to com aquela cara de presidiario que você diz que odeia. Sabe como é, não faço a barba a um bom tempo já.
Ouvi uns amigos comentando que to fedendo a bebida e em profunda decadência. Alguns tavam apostando que eu não durava um mês até cair numa clínica ou manicômio. Hahaha, idiotas. Eles devem achar que eu sou algum tipo de fracassado estúpido. E eu vou provar que estão todos errados. Eu e você meu amor.
Eu não me importo que agora você tem um buraco na cabeça. Eu realmente não me importo se teus miolos estão espalhados pelo chão de algum lugar. Pra mim você ainda é minha princesa.
Eles querem que eu te esqueça e procure outra pra viver. Mas você sabe que eu jamais vou fazer isso. Eu vou ficar aqui te esperando ouvindo o nosso disco dos Beatles e a nossa música preferida. Aposto que você lembra né? In my life.
O Joey ta bem triste ultimamente. Ele fica aqui mordendo a barra da minha calça enquanto eu escrevo provavelmente pedindo comida. Mas eu não tenho muita animação pra levantar da cadeira. Exceto pra comprar bebida. Vez ou outra jogo um pouco do meu almoço sem gosto pra ele. Parece que ele gosta, porque come bem rápido. Ao contrário daquelas raçoes ordinárias com gosto de peixe podre. As vezes também jogo um pouco de vinho ou cerveja pra ele também.
É chato beber sozinho. E você sabe como.