Thursday, December 28, 2006

Twist and Shout


Desde pequena ela gostava de dançar, mas o négocio dela era mesmo o shout. Já tinha feito ballet, jazz, sapateado, lambada, forró, samba, axé, tango e salão. Mas o negocio dela era mesmo o shout, o rock e os bailes. Era disso que ela gostava.
Se pegava dançando sozinha em casa ao som de antigos vinis de seu pai as músicas que agitaram os anos cinquenta e sessenta. Pouca coisa dos setenta, mas se agradasse ela dançava.
Nos bailes era a mais disputada pra dançar com os garotos. Era bonita, não chegava a ser linda mas agradava os garotos com sua simpaticidade e principalmente com o requebrado. Botava a valer e fazia todos dançarem o bom e velho rock'n'roll, não tinha erro.
Namorou alguns caras mas como quis o destino se apaixonou um dia. Numa fila de supermercado ele puxou um assunto sobre um tipo de macarrão que ela estava comprando e que descobriu que ele entendia e cozinhava muito bem.
Sairam juntos, e terminaram por namorar. O único problema era que ele não gostava de dançar.
Não tinha ciumes de ver ela dançar com os outros, mas simplesmente não gostava. Ela por contrapartida se sentia mal em dançar com outros e o ver sozinho nas mesas se embriagando.
Decidiu parar de dançar, mesmo contra sua vontade não ia mais aos bailes e não requebrava e agitava como antes. Tudo pelo amor.
Quis o destino que casassem. Linda festa, muitos convidados, alguns da gloriosa época dos bailes e quando passadas as cerimonias e formalidades a festa começou e todos se esbaldaram e botaram pra quebrar na pista ela não aguentou. Puxou o marido pela mão e seguiu até o meio da pista, dançaram um clássico do Roberto Carlos e sentiu as pernas travadas do marido.
Logo ele voltou para a mesa, o baile continou e a banda parou e chamou o casal ao centro.
Pediram aos dois para dançarem uma dança juntos, ela já não se aguentava de felicidade, ia finalmente dançar pra valer com o homem que amava. Ele suava frio e tentava achar formas inuteis de escapar da atenção de todos convidados presentes no recinto.
Ela pediu um Elvis e a banda atendeu. Começou o agito e percebeu que o marido continuava imóvel, tentou mais um pouco e desistiu. Virou de lado e dançou com o primeiro que apareceu.
Se descabelou e arrasou, depois de muito cansada procurou pelos cantos o festejado noivo.
O burburinho percorreu a festa e logo todos procuravam pelo coadjuvante da festança. Reviraram e desistiram, ele havia ido embora sem avisar ninguem.
Ela ficou triste por alguns minutos, a festa parecia caminhar para um trágico fim quando um companheiro dos antigos tempos de baile gritou de longe para soltarem o som. Ela pensou e se entregou, dançou e se divertiu a valer. Teve certeza que dançar o twist era a coisa mais importante e divertida da sua vida.
Voltaram a se ver apenas no tribunal de pequenas causas para assinar o divórcio. Ele já acompanhado por outra garota bonita e segundo ela constatou sem o minimo jeito e gosto pela dança. Ela apressada para se arrumar para mais um dos bailes de arromba.

O melhor sanduíche do mundo.



Há 20 anos morava no mesmo apartamento do centro, pegava os mesmos caminhos e comia sanduiche no mesmo lugar. Não que fosse o melhor sanduiche da cidade, para outros era apenas mais um lanche como outro qualquer. Mas pra ele não.
Era sem dúvidas o melhor sanduiche do mundo e provavelmente comeria para sempre.
A lanchonete de vidros sujos e mesas redondas antigas, chão quadriculado e quadros de Elvis Presley, Chuck Berry, James Dean e Marylin Monroe espalhados pela parede. Uma jukebox velha e um pouco quebrada mas ainda em bom estado de funcionamento no canto.
De dia um lugar para se tomar milkshake e comer um inigualavel sanduiche. De noite uma discoteca embalada onde as músicas dos anos 50 agitava os jovens da cidade entre cervejas, cigarros e paqueras.
Sentava-se e pedia o mesmo de sempre, sabia o nome da garçonete e de todos os funcionários e o mesmo acontecia em troca. Não demorava mais que meia hora comendo seu sanduiche e tomando seu milkshake, pagava, agradecia e saia tomando o mesmo caminho de volta para casa.
Um dia deu de portas fechadas, pensou ser estranho por conhecer os horários de funcionamento de-cor e salteado. A placa na frente dizia fechado por motivo de luto, conformou-se ficar sem o sanduiche e recorreu a algumas sobras da geladeira, ainda intrigado com a placa na frente da lanchonete.
Alguns dias depois entrou no mesmo lugar e fez o mesmo pedido. Percebeu que o sorriso no rosto da garçonete e dos outros funcionários não era o mesmo, pareciam um tanto cabisbaixo.
Comeu o sanduiche e abriu os olhos. Tomou dois goles do milkshake e deu outra mordida pra se certificar. Estava certo, não era a mesma coisa de sempre. Faltava algo ou havia algo a mais no tradicional sanduiche.
Chamou a garçonete e questionou alguma mudança na receita, a qual simplesmente negou e afirmou ter exatamente os mesmos ingredientes de sempre.
Intrigado se levantou para ir ao banheiro e observou a janela que dava na cozinha, olhou atento e percebeu que era o auxiliar de cozinha que agora fazia os sanduiches.
Sentou no seu lugar e indagou respeitosamente a garçonete quem havia falecido para o motivo de luto. A nóticia lhe causou um choque, ficou quieto por uns minutos e apenas disse umas palavras de conforto a colega de profissão.
Nunca fora muito intimo do cozinheiro, apenas cumprimentos formais e elogios ao sanduiche. Mas agora sua falta pesava em sua consciencia. O cozinheiro havia partido dessa para melhor e fatalmente seu sanduiche tinha ido junto. Pediu a conta, pagou e se despediu.
Nunca mais voltou a lanchonete. Passou o resto dos seus dias tentando a cada janta acertar a fórmula do sanduiche, sem obter sucesso.

Chevette prata reluzente.


Não via graça em carros, tampouco entendia de modelos e preços do mercado, mas aquele Chevette prata 1989 era especial.
Lembrava-se com orgulho do dia que depois de muito trabalho na época como acessor de escritório e com uma ajuda de sua falecida mãe entraria numa das garagens da área popular de compra, troca e venda de carros da cidade.
Entrou e andou em volta, olhou para cada carro e viu o carro prata reluzente lá no canto.
Andou e pediu para olhar, o fato de já vir com um toca-fitas ajudou bastante, conferiu o estofado já usado a quase dois anos e decidiu, aquele seria seu carro.
Discutiu os preços com o vendedor e estabeleceu um négocio amigavel, pagou-lhe na hora com um cheque orgulhoso de seu suor.
Os primeiros Quilometros foram indescriptiveis. Deu voltas, mecheu em todos acessórios, descobriu todas funções e utilidades, visitou amigos e mostrou para seus pais.
Deslizava pela cidade com uma fita velha dos Rolling Stones no rádio, cantarolava as músicas alto e segurava a direção firme. Sentia que aquele era seu carro e as rodas apontavam firmes para todo movimento de sua mão.
O tempo passou e as finanças melhoraram. Se formou em direito e abriu uma empresa especializada em processos trabalhistas. Ganhou dinheiro possivel para comprar muitos novos carros do ano, e todos o questionavam para trocar, mas não abria mão sequer um minuto.
O chevette era sua paixão e ia continuar com ele para muito tempo.
Viu as coisas piorarem relativamente. Primeiro algumas vendas, depois algumas demissões, logo a falencia e seu desespero. O carro teria que ser vendido para sanar dívidas de aluguel da antiga sede da empresa.
Desesperou-se com a idéia que cada vez tomava mais sentido, os únicos bens que lhe restavam foram o apartamento de classe médio em aréa nobre da cidade e o carro. Ficar sem casa ou sem carro, a indecisão doia a cada dia em sua cabeça.
Chegou o dia decretado de pagar, era coisa grande, judicial. Ou ele pagava em uma semana ou ia ter o nome sujo e bens confiscados. Vendeu o apartamento e sumiu.
Simplesmente entrou no carro, ligou o motor e colocou a mesma fita velha dos Rolling Stones. Dirijiu e desapareceu entre o horizonte da estrada que levava a divisa com outros dois estados. Só deu tempo de ver o prata reluzente brilhando e sumindo la na frente.